Sistema do direito, novas tecnologias, globalização e o constitucionalismo contemporâneo: desafios e perspectivas

33 Garantias e processo penal na era da tecnologia compatibilidade com a imparcialidade. No Brasil, o juiz que atua na investigação é o juiz que passa a ter competência para julgar o réu até o final do processo. É chamada “regra da prevenção”, ou seja, acabamos por adotar uma regra que pode gerar a quebra da imparcialidade do juiz. 4 Por isso a relevância da implementação da figura do juiz de garantias, prevista pela Lei 13.964/19, que separa a figura do juiz que atua na investigação e até o recebimento da denúncia, daquele que conduzirá a instrução processual e fará a sentença. Essa medida é relevante, ainda mais em decorrência dos avanços da tecnologia. Imagine-se, por exemplo, o caso de um juiz que determine uma interceptação telefônica ilegal contra um réu, de ofício, no curso da investigação. Esse juiz, pela lei atual (não esqueçamos que a figura do juiz de garantias está suspensa pelo Supremo Tribunal Federal) passa a ter competência sobre aquele caso e outros conexos àquele crime. Esse mesmo juiz irá julgar o réu depois, enquanto não for implementada a figura do juiz de garantias. Será que esse juiz que praticou uma ilegalidade contra aquele acusado possui imparcialidade para julgá-lo depois? Não há risco de que ele tenha aqui um preconceito de tese? Como disse Franco Cordero (2006) e, de certo modo, o que diz hoje Luigi Ferrajoli (2004), o que se dá é uma espécie de processo penal parcial, no qual a figura do juiz pode se confundir com a figura do acusador ou do defensor, ao tomar o lado de uma das partes. Esse fator vem reforçando o encarceramento no Brasil. Grande parte das prisões provisórias está sustentada na garantia da ordem pública, um fundamento genérico e sem conexão com o processo, mas que é mantido pelo Supremo Tribunal Federal em casos de reiteração delitiva e de “gravidade concreta”, um conceito também vago e aberto. E isso se dá em razão de haver um reforço da ideia de um juiz “combatente do crime”, um juiz parceiro da “sociedade dos Homens bons”, da polícia e da investigação, todos apoiados por um contundente aparato tecnológico. Portanto, o caráter inquisitorial do sistema processual penal brasileiro, conjugado com os avanços da tecnologia, tem conduzido a um aumento das restrições de garantias e da população carcerária. 4 Por todos, sobre o tema, ver André Machado Maya (2014).

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