Sistema do direito, novas tecnologias, globalização e o constitucionalismo contemporâneo: desafios e perspectivas

Dominique Rousseau 188 mídia), ao administrado, foi necessariamente levado a estabelecer o que o decano Georges Vedel chamava de “as bases constitucionais” das atividades sociais e privadas dos indivíduos, e não apenas as bases constitucionais da atividade dos homens políticos. Desta feita, a constituição não é só uma constituição do Estado, mas também uma constituição da sociedade, uma vez que todas as atividades dos indivíduos, alcançadas pelo direito, podem ser abarcadas pela constituição; o que, no linguajar jurídico chamamos de “constitucionalização” do direito civil, do direito do trabalho, do direito social, do direito comercial, do direito administrativo, do direito penal etc., quer seja pela ideia de que todos os ramos do direito, e não apenas o direito político, encontram os seus princípios na constituição. De resto, que a constituição seja o ato que informa – no sentido filosófico do termo – a sociedade, só configura um rompimento à tendência de pensar a constituição como ato organizando os poderes públicos, cabendo ao Código Civil, que segundo Jean Carbonnier caracterizava a verdadeira constituição da França, regulamentar a sociedade. De acordo com a Declaração de 1789, esta concepção “societária” da constituição é menos um rompimento do que uma continuidade. Com efeito, em virtude do artigo 16 desta Declaração, o objeto da constituição não é o Estado, mas, sim, a sociedade. Reza o artigo 16 que “A sociedade, em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição”. “A sociedade”, e não o “Estado”! Quando Montesquieu imaginou a constituição ideal, partiu de uma análise da sociedade, de uma análise dos “poderes sociais” – nobreza, burguesias etc. – buscando, desta forma, criar uma estrutura de poder expressando a estrutura social; quando Rousseau redigiu o seu projeto de constituição para a Córsega, o seu trabalho teve, explicitamente, como base e objetivo a estruturação do corpo social daquela jurisdição. Esta concepção da constituição-expressão da sociedade foi desmoronando, à medida que foi prevalecendo, durante todo o século XIX, a ideia de que a ela só caracterizava o estatuto especial dos governantes; concepção esta que está reaparecendo com o surgimento e o desenvolvimento da justiça constitucional, que contribui para projetar a constituição sobre o conjunto das atividades sociais. Indiretamente, mas necessariamente, esta concepção “societária” da constituição produz, também, efeitos no âmbito de incidência

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