Sistema do direito, novas tecnologias, globalização e o constitucionalismo contemporâneo: desafios e perspectivas

187 Constitucionalismo e democracia tal ou tal enunciado, a fundamentar a pretensão de validade das interpretações por eles conferidas, que submete à crítica a pertinência dos argumentos, e que sanciona, por meio de sua decisão, o significado do enunciado constitucional que, quando intervém, esta troca permitiu alcançar. O significado pode dar a impressão de resultar de uma criação arbitrária do juiz, como, por exemplo, na “criação” do princípio da dignidade da pessoa humana pela decisão de 27 de julho de 1994, CC 94-343-344 DC (p. 100). No entanto, todo um trabalho prévio de cunho hermenêutico foi realizado no âmbito das assembleias parlamentares, das jurisdições nacionais e europeias, dos comitês e universidades, no âmbito da doutrina, das associações políticas, sindicais e de outros setores categoriais, além da impressa, todos participaram da preparação destas “criações” constitucionais. Estas criações não são, portanto, a expressão de uma vontade de poder do juiz constitucional, a quem caberia, exclusivamente, desvelar a verdade da constituição, absorvendo e submetendo os demais aos seus oráculos. O juiz é apenas um elemento da cadeia argumentativa que intervém, num dado momento, para sancionar o sentido de um enunciado constitucional por meio da sua decisão, sem, contudo, que esta sanção interrompa o andamento desta cadeia: continua ela a viver, pois o sentido produzido abre para novos debates e novas reflexões, no âmbito das assembleias, das jurisdições, da doutrina, e que podem, mais tarde, produzir uma nova interpretação. O juiz constitucional não governa, ele é, sim, o órgão regulador do regime concorrencial de enunciação da vontade geral. (c) Constituição e sociedade dos indivíduos A constituição-garantia dos direitos deu ensejo a um rompimento radical, no que diz respeito à representação da “coisa comum”: ao passo que a constituição-separação dos poderes tem por objeto o Estado, a constituição-garantia dos direitos, por sua vez, tem como projeto a sociedade dos indivíduos. Este deslocamento é, também, a consequência lógica do controle de constitucionalidade. Pelo fato de ter sido provocado para examinar as leis relativas à família (o “Pacs”), ao trabalhador (a jornada de 35 horas), ao consumidor (o conselho da concorrência), ao portador de doença (seguridade social), aos estudantes (universidade), ao telespectador (concentração das empresas de

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