Sistema do direito, novas tecnologias, globalização e o constitucionalismo contemporâneo: desafios e perspectivas

189 Constitucionalismo e democracia da separação dos poderes. Ao restringir o objeto da constituição ao Estado, a exigência de separação dos poderes estabelecida pelo artigo 16 da Declaração de 1789 acaba por só se aplicar aos poderes do Estado – os poderes executivo, legislativo e judiciário. Sendo a sociedade o campo de incidência da constituição, a exigência de separação passa a se aplicar a todos os poderes em vigor nesta sociedade: os poderes econômico, midiático, religioso etc. A constituição há de alcançar todos estes poderes, estes terceiros-poderes, que são tudo no funcionamento de uma sociedade, que nada têm sido até agora na ordem constitucional e que hão de se tornar alguma coisa, para fazer eco à conhecida brochura de Siéyès publicada na véspera da Revolução. Que, por exemplo, a constituição passe a assumir o “quarto poder” e estabeleça os princípios de forma a garantir a independência dos cidadãos em relação aos poderes político e econômico; que ela confira a um Conselho Econômico e Social modificado, os meios de fazer participar a sociedade civil organizada na formação da vontade geral. Ao dirigir-se à sociedade, a constituição acaba por, também, se dirigir aos indivíduos que a compõem, participando, desta forma, da construção da identidade destes nummomento especial da história política. A questão política não é mais, hoje, apenas a questão do indivíduo, nem sequer a de uma sociedade composta de indivíduos fluidos, segundo a expressão de Pascal Michon (2008). Contudo, esta questão ficou, hoje, sem resposta. Ou, para melhor dizer, as respostas de outrora não “funcionam” mais: Deus, a Nação, as classes sociais, todas essas noções que deram aos indivíduos um sentimento de pertencimento comum – à comunidade cristã, à comunidade nacional, à comunidade socioprofissional – não são mais os operadores eficientes do sentido comum dos indivíduos. Nesta configuração histórica, a constituição, renovada por meio do controle de constitucionalidade, pode ser considerada como este instrumento comum aos indivíduos, em que se reconhecem nas suas peculiaridades, nos seus próprios ritmos, como também nos valores partilhados. São estes os valores constitucionais comuns que Habermas chama “patriotismo constitucional”. Como um verdadeiro espelho mágico, a constituição afigura-se como um texto laico, um conjunto de princípios partilhados, um lugar onde o indivíduo moderno “desencantado” pode reconstruir uma identidade comum. Ou seja, trabalhador, consumidor, eleitor, parente, proprietário, crente, livre pensador etc.,

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