Sistema do direito, novas tecnologias, globalização e o constitucionalismo contemporâneo: desafios e perspectivas

183 Constitucionalismo e democracia representantes de pretenderem encarnar a soberania, desvelando, desta forma, os seus status de meros delegados, sendo-lhes lembrados, em qualquer momento, os seus deveres de respeitarem os direitos do soberano. De certa forma, o juiz constitucional desvela o que a representação queria esconder: o esquecimento do povo. Embora afirme a sua existência, a representação faz, de fato, desaparecer o povo, já que estabelece, como princípio constitucional, que só ele pode se corporificar... por meio das pessoas dos representantes, conforme salientava Sièyès. O juiz constitucional faz renascer o povo, como figura autônoma e soberana, ao colocar a representação em representação: evidencia ele que a representação é uma cena em que dois atores desempenham papeis diferentes, os eleitos com o papel dos delegados do soberano, e o povo com o papel do soberano. Esta lógica democrática da separação poderia aplicar-se, no campo filosófico, ao debate travado em março de 1929, em Davos, entre Heidegger e Cassirer a respeito da noção de limite para Kant. Ao passo que o primeiro sustentava que o conhecimento só podia cair poeticamente do ser sobre o homem, uma vez que o homem está limitado no seu acesso ao saber, Cassirer, por sua vez, retorquia, alegando que a finitude do homem consistia numa distância entre ele e o ser, distância esta que implicaria que o conhecimento do ser se estabeleceria por meio da linguagem, da cultura e de uma política simbólica. Da mesma forma, aqui, ou a vontade geral está no ser – o ser do Rei ou ser da Nação, pouco importa – e, sendo os homens limitados, cabe aos representantes da Nação “revelar” aos homens a vontade geral – “o povo, por ele próprio, quer sempre o bem, mas, por ele próprio, nem sempre o conhece”, escreve Jean-Jacques Rousseau; ou então a distância entre a vontade geral e os homens é tal que a única forma de se aproximar dela é por meio da linguagem. No primeiro caso, a democracia é de aclamação, no segundo é de deliberação. (b) Constituição e deliberação A constituição-garantia dos direitos deu, também, ensejo a um rompimento radical com a representação do modo de produção da vontade geral: ao passo que a constituição-separação dos poderes favorecia um regime monopolístico de produção da vontade geral, a

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