Sistema do direito, novas tecnologias, globalização e o constitucionalismo contemporâneo: desafios e perspectivas

Dominique Rousseau 184 constituição-garantia dos direitos, por sua vez, deu espaço a um regime de enunciação concorrencial da vontade geral. Esta mutação decorre, indubitavelmente, do controle de constitucionalidade, tendo sido o juiz constitucional quem estabeleceu as regras deste novo regime ao conferir uma nova definição da lei. Na sua decisão de 23 de agosto de 1985, CC 85-197 DC, o Conselho firmou entendimento de que “a lei só expressa a vontade geral no respeito à Constituição” (p. 70). Porém, de acordo com a definição constante do artigo 6 da Declaração de 1789, “a lei é a expressão da vontade geral”. Esta mudança de definição da lei – a transição do afirmativo para o negativo, bem como a introdução da condição de constitucionalidade – implica, ao mesmo tempo que legitima, uma mudança do modo de fabricação da vontade geral (BLACHER, 1999). O modo decorrente do artigo 6 da Declaração de 1789 é o de uma confecção da lei realizada exclusivamente pelo Parlamento: cabe, unicamente, aos representantes expressar a vontade geral, de sorte que as leis só expressam a vontade geral pelo fato de serem por eles produzidas; a qualidade da lei e a validade normativa não dependem de nenhuma outra instância; a sanção parlamentar basta para fazer da lei a expressão da vontade geral. Ao contrário, o modo decorrente da nova definição conferida pelo Conselho, na sua decisão de 23 de agosto de 1985, é o de uma confecção da lei por uma pluralidade de atores: o ator governamental e parlamentar, por óbvio, como também o ator jurisdicional. Com efeito, resulta desta definição que a “fabricação” parlamentar da lei já não é suficiente para garantir a sua validade normativa; a lei só poderá expressar a vontade geral se respeitar a constituição. Dito de outra forma, se o Conselho julgar que um texto aprovado pelo Parlamento não ofende determinado direito ou princípio constitucional, isto é, se o texto for julgado contrário à constituição, não poderia este expressar a vontade geral, não lhe sendo reconhecido, assim, a qualidade de lei. Este modo concorrencial de produção da vontade geral tem, como princípio de funcionamento necessário, a deliberação. Já que a vontade geral não está “situada” numa única instituição, já que a vontade geral é construída confrontando o texto aprovado pelos representantes com as exigências constitucionais, logo, a vontade geral só pode ser o fruto de um processo deliberativo, de uma troca de argumentos entre os diferentes atores do regime de fabricação da lei. Em um regime assentado em um único ator, ou num regime basea-

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