Sistema do direito, novas tecnologias, globalização e o constitucionalismo contemporâneo: desafios e perspectivas

Lenio Luiz Streck 168 Pretender uma exatidão linguística é cair numa ilusão metafísica (OLIVEIRA, 2015, p. 126 e segs; WITTGENSTEIN, 1999). 10 Esse é o ponto. O robô não chegou no “segundo Wittgenstein” – o que, em algum sentido, pode ser até mesmo uma vantagem. Afinal de contas, é a partir de sua fase tardia que Hart inspirou-se para uma nova modalidade de positivismo11 . Mas, de todo modo, a questão permanece: como, depois disso tudo, esperar “um problema descrito em uma frase”? Sou um cético nesse sentido. O problema, como espero ter clareado, é filosófico. E a Filosofia noDireito não pode ser substituída pela TecnologianoDireito. O Direito é atrasado “tecnologicamente”... Qual é o sentido desse enunciado? As discussões envolvendo o tema partem – ou terminam – com afirmações desse tipo. Embora o “problema descrito em uma frase” (um desejo de espremer a verdade dentro de um enunciado ou de um código ou algoritmo) encerre apenas uma das tantas aporias jurídico-tecnológicas, as discussões envolvendo o tema partem – ou terminam – de/com afirmações desse tipo. O Direito pode até ser “atrasado tecnologicamente”. Isso é irrelevante. Se a complexidade do Direito (e de suas carências) estivesse centrada nesse “atraso”, nosso mais alto estágio civilizatório seria questão de tempo. O que acontece é que a tecnologia, por si, não “encurta 10 Em Wittgenstein (1999), ver, em especial, os parágrafos 30, 38, 66, 67, 71, 79, 80, 88, 91, 99, 101, 118, 104, 279, 384, 593, 737. 11 Em linhas muito sucintas, “Herbert Hart, por sua vez, por conhecer o giro linguístico da filosofia do século XX, não irá colocar a validade do Direito em um pressuposto lógico- -transcendental, mas a colocará para o mundo concreto e social. O Direito tem validade porque a comunidade política na qual ele governa o reconhece como tal. Por isso aparece o conceito de “regra de reconhecimento”. Nessa medida, ao contrário de Kelsen, não é todo e qualquer conteúdo que possa ser Direito, mas apenas aquele que possua respaldo social daquela sociedade no espaço e temporalmente localizada. Trata-se de um elemento convencional, não mais lógico-transcendental como em Kelsen que dá validade ao Direito (ainda que as normas jurídicas, em Kelsen, também são produto de convenções humanas). Assim, para Hart, é possível que argumentos morais venham a integrar o Direito de forma contingencial, pois ele – Direito – enquanto linguagem, contém vaguezas e ambiguidades nas quais, não havendo definição da sua significação, entra em uma “textura aberta” na qual os juízes podem criar Direito segundo padrões externos ao próprio Direito, como argumentos políticos, morais etc.” (STRECK, 2020).

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