Sistema do direito, novas tecnologias, globalização e o constitucionalismo contemporâneo: desafios e perspectivas

177 Constitucionalismo e democracia tas positivistas e realistas, estas noções são separadas, autônomas e sem relação nem influência recíproca uma com outra. O que explica que os juristas tenham negligenciado os estudos, as pesquisas e as reflexões sobre a democracia (Pinon, 2006, p. 408), remetendo a análise desta noção para os filósofos, historiadores, sociólogos etc., haja vista o longo predomínio da escola positivista no campo jurídico – permanecendo ainda muito importante. Em outros termos, as noções de constituição e de democracia são apenas relacionadas, no âmbito epistemológico, a uma doutrina: o constitucionalismo, que pensa a constituição como meio da democracia – “a democracia pelo direito”. Esta função política esperada, da constituição, é apresentada como a consequência necessária dos seus três atributos. Uma constituição é, antes de tudo, um texto escrito, e a forma escrita das regras de exercício do poder permite ao povo verificar se a prática do poder está ou não de acordo com o texto, sendo, em caso de violação deste, sancionada. Eis o projeto explícito dos homens de 1789, que afirmaram ter redigido a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão “para que os atos do poder legislativo e do poder executivo, em qualquer momento, comparados com a finalidade de toda instituição política, pudessem ser mais respeitados”. A constituição é, ademais, um texto que organiza a separação dos poderes, cujo mecanismo interno – peso e contrapeso – visa evitar que uma instituição possa açambarcar todos os poderes de forma a produzir um equilíbrio institucional favorável à liberdade política dos cidadãos. A constituição é, por fim, um texto que estabelece os direitos que os cidadãos podem invocar para protestar contra os atos dos poderes públicos. O que também consta da Declaração de 1789, redigida “para que as reclamações dos cidadãos, baseadas doravante sobre princípios simples e incontestáveis, tendem à consolidação da constituição e à felicidade de todos”. Por força destas três propriedades – escrita, separação dos poderes, direitos fundamentais – a constituição é, conforme conhecida fórmula de Benjamin Constant, “a garantia de um povo”. A crise de sentido do constitucionalismo Tal é a ideia de constituição que o constitucionalismo traz no seu bojo e que faz dela uma doutrina da democracia. Hoje, este constitucionalismo está em crise, ou se quisermos evitar a expressão já des-

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