Sistema do direito, novas tecnologias, globalização e o constitucionalismo contemporâneo: desafios e perspectivas

Dominique Rousseau 176 homens políticos, e consolidada, ou racionalizada, pela doutrina. Para os positivistas, por exemplo, a constituição é, simplesmente, este documento específico que organiza o estatuto do Estado, e cuja validade jurídica resulta da sua relação para com a norma fundamental hipotético-dedutiva, a qual prescreve que é imperioso obedecer à constituição. Não é simplesmente a obediência à constituição que limita o poder, mas, sim, a obediência à constituição seja qual for o seu conteúdo. Isso porque, para os positivistas, a função política de uma constituição é uma questão política, e não uma questão de direito, sendo assim indiferente à qualidade e à validade da constituição. Juridicamente, o termo “constituição” refere-se a todo documento organizando o estatuto do Estado: que este documento organiza a separação ou a fusão dos poderes, que ele reconhece ou não os direitos fundamentais, que ele limita ou favorece a arbitrariedade do poder. Obviamente, conforme esta compreensão da palavra “constituição”, ela não envolve a democracia, sendo, apenas, o constitucionalismo uma doutrina enunciando a necessidade de uma constituição formal. Para dar continuidade a esta atualização dos pressupostos, cabe ressaltar que os casos anteriores só ganham sentido se a constituição é pensada como uma norma, isto é, como direito “puro”, que estabeleça mandamentos, proibições, obrigações de fazer ou de não fazer. Porém, esta representação pressupõe uma normatividade constitucional que pertence à textura da constituição, mas que é construída pelos atores sociais e, em especial, pelo ator jurisdicional. Para os realistas, por exemplo, a constituição é um mero conjunto de palavras – “ marks on papers ” – isto é, consoante clássica expressão de Hans Kelsen, “proposições subjetivas de normas”, não sendo a constituição, contudo, uma norma. A constituição “não diz nada”, escreve Pierre Avril; torna-se ela uma norma por meio de um trabalho de interpretação das palavras efetuado, em prioridade, pelos juízes; a norma não está no enunciado textual, está no significado conferido a este enunciado. Logo, se a constituição não diz nada, não pode ela informar sobre a qualidade democrática de um regime político, da mesma forma que não pode caracterizar uma limitação ou uma restrição ao exercício do poder. O interesse deste olhar prévio sobre os pressupostos jurídicos é de demonstrar que, ao contrário do que geralmente se pensa, constituição e democracia não são noções consubstanciais. Para os juris-

RkJQdWJsaXNoZXIy MjEzNzYz