O lugar do saber - Márcia Wayna Kambeba

13 O LUGAR DO SABER um barulho meu pai, com um gesto, pedia para calar. Ir escutar o rio além de se caracterizar como um momento ritualístico era uma forma de intimidade e territorialidade com o mundo das águas. Vejo como uma oração do povo para com a natureza. Não sei se ainda hoje os Tikuna continuam indo no mesmo barranco para ver o rio, pois, a dinâmica pode ter mudado. O que sei é que silenciar é preciso. O sol aparecia, o rio agora ia ganhando um movimento maior de canoas e de pessoas que desciam o barranco para tomar seu banho matinal. Meu pai e eu também descíamos para mergulhar. Ele nadava comigo em suas costas ensinando-me a bater o pé e depois me soltava devagar para ganhar confiança. Me dizia: “confia em mim você não vai se afogar, sente o rio te levando. ” Nossa aula era interrompida com meu choro pedindo para sair. Logo o cheiro da fumaça anunciava que o peixe assado estava na mesa e o café da manhã ia ser farto na casa de minha vó Chinha. Na cultura indígena o café logo cedo é com peixe, macaxeira, cará, batata doce, banana cozida, ovos. Mas a lição de silenciar para sentir e ouvir a mensagem da natureza marcou minha infância. É comum ver as crianças andarem de canoa, faz parte das primeiras lições de sobrevivência na vivência com o rio. A pesca é ensinada desde cedo. As meninas aprendem a escamar o peixe, assar, cozinhar e outras atividades conforme sua idade. Os pais deixam seus filhos livres e essa liberdade sentida na mata e na água faz com que se tenha uma maturidade, criando confiança e responsabilidade, pois, logo estarão aptos a formarem suas famílias desde que consigam sustentá-las. Para as meninas a menstruação marca sua fase mulher. Os meninos recebem ensinamentos dos mais velhos sobre caça, pesca, construções de casas, etc., e depois disso estão preparados para serem guerreiros e construir seu lar. A água tem poder de cura na cultura indígena. Muitos rituais acontecem perto do rio. Quando a criança nasce, as mulheres mais velhas trazem flechas e essas são medidas conforme o tamanho da perna da criança, cortam e em seguida vão até o rio e soltam na água corrente. Acredita-se que esse ritual é para que a criança tenha agilidade nas pernas para correr e também para que as pernas não fiquem tortas, assim contou-me minha mãe Assunta. Segundo ela passei por esse ritual na aldeia Tikuna Belém do Solimões nos primeiros dias de vida. Outro ritual usado na época que nasci era a defumação com ervas, breus, cascas de árvores para espantar espíritos ruins de perto da criança. Banhos serenados com várias folhas de plantas eram utilizados para afugentar doenças. Deixamos a aldeia para viver na cidade, mas minha mãe Assunta continuava com seus rituais de banhos e defumações. No ato do preparo ela ia me ensinando para que servia cada planta que utilizava e também a importância

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