Direitos da Natureza: marcos para a construção de uma teoria geral

Anna Maria Cárcamo 82 6.1 DECISÃO PELO MELHOR INTERESSE E DIGNIDADE DO VERDINHO Como referido na introdução, o caso tratava de um papagaio selvagem, Verdinho, capturado e criado em cativeiro ao longo de mais de vinte anos. Verdi- nho foi apreendido pelo IBAMA, por conta de sua compra ilegal e possíveis maus tratos, que buscava multa e apreensão para eventual soltura do animal e, conse- quentemente, retorná-lo para a natureza. Maria Angélica Caldas Uliana, guardiã de Verdinho, por sua vez, negou os maus tratos e ingressou em juízo para manter o animal em sua guarda. O papagaio Verdinho, ou Verducho, como é chamado carinhosamente por Maria Angélica Caldas Uliana, já tinha com a mesma uma relação de reciproci- dade e era considerado um membro da família. Em entrevista, ela se emocionou e afirmou que hoje não o tiraria mais da natureza, mas que, na década de 1990, quando ele lhe foi entregue, não tinha essa consciência. Segundo a mesma, quan- do o IBAMA o apreendeu, ela sentiu a mesma dor que sua mãe deve ter sentido quando ele foi tirado do ninho (ULIANA, 2019). Em decisão na instância inferior, o Tribunal de Justiça de São Paulo já havia concedido a permanência provisória do papagaio junto à Maria Angélica até que o IBAMA “comprovasse a viabilidade da destinação prevista em lei e que dispõe dos aparatos necessários a assegurar o bem-estar do animal” (STJ, 2019). Inclusive, a recorrente, Sra. Maria Angélica, juntou laudos veterinários ale- gando que Verducho teria sofrido maus tratos ao ser mantido sob a guarda do IBAMA (STJ, 2019) e alegou que “ao determinar que a guarda provisória tem data para acabar, ou seja quando o IBAMA comprovar que tem condições de in- serir o animal em seu habitat ou entregá-lo a criadores autorizados, a decisão está a gerar expectativa e ansiedade que transcendem a necessária estabilidade emocional e física à recorrente. Isso sem falar do risco de vida que o Verdinho passará a sofrer, caso se afaste da Recorrente” (STJ, 2019). Sanando a disputa, em março de 2019, a referida decisão da 2 a Turma do STJ entendeu que a possibilidade de devolver a ave à natureza depois de tantos anos, e a incerteza de seu paradeiro final, além de ser irrazoável não seria em seu melhor interesse e violaria sua dignidade. Em relação aos “maus tratos” por parte da recorrente, o acórdão reconheceu que eram menores que o risco e sofrimen- to que a ave teria com o IBAMA, e determinou medidas como visitação semes- tral a veterinários e fiscalização anual (STJ, 2019). Dessa forma, a sua decisão foi além da estrita análise da lei, pautando-se em interpretação ampliativa dos princí- pios constitucionais, aqui reconhecidos como o melhor interesse do animal e sua dignidade. 6.2 DIREITOS DA NATUREZA NO TEOR DA DECISÃO DO STJ O Acórdão em análise é pioneiro e paradigmático por ser o primeiro caso brasileiro do STJ que aborda explicitamente os Direitos da Natureza, bem como

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