A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

96 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica Se o conceito de segunda escravidão pretende lançar bases para superar esses vários modelos interpretativos, convém historicizar, ao menos sumariamente, o seu surgimento, sua rápida expansão pelos meios acadêmicos nacionais e internacionais, e tentar esboçar alguns dos limites que oferece à compreensão da diversidade econômica e social do país ao longo do XIX. Publicado inicialmente em um artigo de Dale Tomich em 1988, a ideia central de que a escravidão na América (e não somente no Brasil) tinha estreita relação com a expansão da economia capitalista via Revolução Industrial e generalização do consumo de produtos tropicais pelos europeus ganhou espaço entre os estudiosos da área (Tomich, 1988, p. 103-117). De certa forma, essa leitura atualizava o clássico trabalho de Eric Williams, Escravidão e capitalismo , de 1944, ao relacionar a expansão do capitalismo aos sistemas escravistas da América, não só na acumulação primitiva de capital, mas, também e principalmente, ao aumentar drasticamente a oferta de produtos de consumo de massa, notadamente o algodão, no Sul dos Estados Unidos, o açúcar, em Cuba, e o café, no Brasil. Outra questão levantada pelo estudo de Dale Tomich foi encontrar uma explicação mais coerentepara o aumento no tráfico de escravos verificado no final do século XVIII e primeira metade do XIX, em pleno processo de formação dos Estados nacionais, primeiro nos EUA, posteriormente na América Latina, e ainda a manutenção de Cuba no universo colonial espanhol. Tal conceito ganhou numerosos adeptos em várias partes da América e, entre os autores mais importantes no país, podemos citar o estudo de Rafael Marquese, Feitores do corpo, missionários da mente , que demonstra as mudanças nos discursos que pretendiam regular as relações entre senhores e escravos na América, passando de discursos de forte caráter moralizador e religiosos até meados do século XVIII para discursos mais pragmáticos e racionais no início do período da segunda escravidão. Outro estudo é o de Ricardo Salles, E o vale era o escravo - Vassouras, século XIX. Senhores e escravos no coração do Império , que, ao analisar o funcionamento das principais fazendas de café de um dos maiores municípios escravistas do país, conseguiu demonstrar a lógica na utilização do trabalho escravo e os limites impostos pela pressão antitráfico, depois pelo abolicionismo e, ainda, pela agência escrava, ou seja, o comportamento da escravaria e o impacto na produção de café do Vale do Rio Paraíba do Sul. Outros estudos tentaram abordar os movimentos abolicionistas internacionais, as suas relações com a realidade brasileira e

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