A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

85 Escravidão histórica e capitalismo histórico: notas para um debate pressuposto a existência de uma economia-mundo industrial, a que foi criada pela primeira Revolução Industrial, articulada em torno de uma nova relação assalariada global. A Guerra Civil norte-americana representou o ponto de inflexão na história da segunda escravidão, ao acabar com o mais poderoso sistema escravista do hemisfério e criar as condições para que se iniciasse a cadeia de eventos: crise da escravidão em Cuba e no Brasil (leis de ventre livre em 1870 e 1871; abolição em Porto Rico, em 1873; patronato em Cuba, em 1880; abolição em Cuba, em 1886; abolição no Brasil, em 1888). Modificações de fundo estavam ocorrendo novamente no capitalismo histórico, com a abertura de um notável ciclo de expansão material a partir de meados do século XIX: a integração global de commodities promovida pelo livre-cambismo britânico; a incorporação definitiva, como espaço periférico, do subcontinente indiano à economia-mundo capitalista; a igual periferização da África; a abertura, pela força do ópio e das canhoneiras, do imenso mercado chinês; a anulação do espaço pelo tempo com a construção de vastas redes ferroviárias e telegráficas, e o domínio dos navios a vapor sobre os mares; as modificações na base industrial dos países centrais com as conquistas científicas e tecnológicas da segunda Revolução Industrial; o deslanche das grandes migrações globais, da Europa para as neo-Europas (Canadá, Estados Unidos, Argentina, Austrália), da Ásia para a África e as Américas; o surgimento de uma nova forma de poder estatal, o chamado “Leviatã 2.0”; e a consolidação ideológica e normativa do trabalho assalariado como trabalho livre. Se a Guerra Civil de 1861-1865 foi gestada dentro do tempo específico da política norte-americana, ela não tem como ser dissociada, em suas causas e em seus efeitos, desse conjunto de transformações ocorridas no tempo da economia-mundo capitalista. Não por acaso, Giovanni Arrighi considera que o resultado da Guerra Civil inaugurou o ciclo norte-americano de acumulação. Em resumo, outra vez: a segunda era da abolição foi travejada por uma nova crise nas relações entre capitalismo histórico (arranque da segunda Revolução Industrial, globalização da segunda metade do século XIX, início do longo século XX) e escravidão histórica (a segunda escravidão). O primeiro abolicionismo – que se voltou contra a escravidão colonial no Caribe, prosseguiu no combate sem quartel ao tráfico negreiro transatlântico de Portugal/Brasil e Espanha/Cuba, e tomou a África como campo de prova para a superioridade do trabalho livre e como zona de ação imperial – foi distinto do segundo abolicionismo, que operou dentro dos espaços políticos dos Estados nacionais nascidos na Era das

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