A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

84 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica vista (os Estados Confederados da América), à Guerra Civil e à sua própria destruição como classe. *** Seja como for, concordo que a Guerra Civil representou um ponto de inflexão nas relações entre capitalismo e escravidão. Minhas observações finais talvez possam nos ajudar a dar um passo adiante na compreensão das naturezas distintas das crises da primeira e da segunda escravidão, incorporando assim a dimensão do abolicionismo que nos cobram Leonardo Marques e Ricardo Salles, porém nos termos da leitura que Tomich e McMichael fazem da perspectiva do sistema-mundo. Eis umdesenhomuito sumário e simplificado dessa formulação alternativa, diretamente inspirada pela recente tese de doutorado de Alain El Youssef (2018). A primeira era da abolição foi marcada pelos seguintes eventos: emancipação gradual, via interrupção do tráfico transatlântico e leis de ventre livre, nas unidades federativas do norte dos Estados Unidos (1787-c.1830); abolição francesa, em 1794, em resposta à Revolução de Saint-Domingue (1791); independência do Haiti, em 1804, em resposta à reinstituição da escravidão no Império francês (1802); abolição britânica do tráfico transatlântico (1807) e da escravidão (1833-38); abolições nas novas repúblicas da antiga América espanhola (1810-c.1830), com a replicação das medidas tomadas, antes, no norte dos Estados Unidos. A nova abolição francesa, em 1848, e a holandesa, em 1862, atingiu sistemas escravistas residuais que pertenciam ao tempo histórico do longo século XVIII. A cadeia de eventos desse primeiro ciclo de abolições fez parte da crise geral do sistema atlântico do noroeste europeu, que se abriu com os resultados da Guerra dos Sete Anos (1756-1763). Ora, para muitos historiadores a vitória esmagadora da Grã-Bretanha nesse conflito global marcou o início do longo século XIX britânico, que traria a imposição em escala global de seu poder econômico e militar, com o início da virada imperial para o Oceano Índico, em meio ao processo de profunda transformação de seu tecido econômico e social decorrente da primeira Revolução Industrial. O que estou sugerindo, em resumo, é que a primeira era da abolição foi travejada por uma crise particular nas relações entre capitalismo histórico – que passava por mutações de fundo, geradas pelo arranque do ciclo britânico de acumulação (Arrighi, 1996) – e escravidão histórica – a do sistema atlântico do noroeste europeu. O que emergiu dessa crise foi a estrutura histórica da segunda escravidão, que teve por

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