A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

86 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica Revoluções. Esses dois abolicionismos, cujas maiores expressões foram respectivamente dadas pela experiência inglesa e pela experiência norte- -americana, além de distintos na estratégia e na composição de sua militância, não surgiram ao mesmo tempo, mas passaram a coexistir a partir da década de 1840. O outro movimento de massas do mundo atlântico pertencente ao segundo abolicionismo, o brasileiro, que finalmente deu as caras no final da década de 1870, incorporou as experiências prévias dos abolicionismos inglês e norte-americano. O que tudo isso nos revela sobre a segunda escravidão? Nessa sobreposição de diferentes tempos em um mesmo tempo que se condensa, temos um bom exemplo do que Reinhart Koselleck (2014, p. 307) argumenta a respeito da aceleração do tempo histórico da modernidade, isto é, o fato de as estruturas históricas serem de duração cada vez mais curta. A instituição escravista, ao contrário do que dá a entender a nota 13 do ensaio de Ricardo Salles, é uma expressão cristalina da “contemporaneidade do não-contemporâneo”: a escravidão do século XIX conteve, no seu próprio tempo, vários tempos assimétricos, o que fez a escravidão nos Estados Unidos ser, simultaneamente, parte do que foi a escravidão no Brasil (a segunda escravidão) e profundamente distinta dela (por pertencerem, ambas, a “blocos históricos específicos e particulares”). A leitura de Ricardo Salles chama uma atenção, mais do que necessária, para as especificidades das formações históricas nacionais. Ela reconhece que escravidão e capitalismo foram fenômenos transnacionais, afirmando que a unificação daquelas formações em uma estrutura histórica específica (a da segunda escravidão) se deveu “a uma mesma morfologia nas relações de produção comum aos distintos blocos históricos escravistas no século XIX. Apesar de reconhecer a importância das conexões econômicas e políticas empíricas entre esses blocos, (a perspectiva aqui defendida) não as considera essenciais na definição dessa estrutura histórica”. A passagem, que encerra o ensaio de Salles, põe a nu seu método formal de comparação: é em razão de sua forma comum – e não de suas conexões – que Brasil e Estados Unidos são compreendidos como partes de uma mesma estrutura histórica. A proposta original da segunda escravidão, no entanto, fundou-se em uma rejeição explícita de tal método. São as relações substantivas que Brasil e Estados Unidos mantiveram entre si por meio da economia-mundo capitalista que permitem a conceituação de cada qual como partes de uma mesma estrutura histórica. Relações substantivas somente são cognoscíveis por meio de comparações substantivas. Conferir primazia analítica ao conceito de bloco histórico pode nos trazer de volta às dualidades integradas e, por

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