A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

83 Escravidão histórica e capitalismo histórico: notas para um debate A explicação que Ricardo Salles adota em seu ensaio para entender as múltiplas contradições econômicas, sociais e políticas entre Sul e Norte é coerente e convincente, mas ela deixa de lado o problema das origens globais da Guerra Civil norte-americana, bem como as relações de seus resultados com as origens da crise da escravidão no Brasil. 1 Atualmente, como sequência de uma tese de doutorado sobre a política internacional da segunda escravidão, mas cuja análise se encerrou em 1846 (Parron, 2015), Tâmis Parron tem investigado como as transformações na economia-mundo e no sistema interestatal das décadas de 1840 e 1850 são decisivas para compreender a eclosão do conflito militar norte-americano em 1861. Esse trabalho foi antecipado por um ensaio que escrevi com ele, alguns anos atrás, no qual lançamos um sistema de hipóteses que poderá – ou não – vir a ser confirmado pela pesquisa em desenvolvimento. Uma de nossas conclusões provisórias foi a de que o imperialismo sulista na década de 1850, uma das forças decisivas que levaram à Guerra Civil, teria sido uma resposta direta à natureza crescentemente subordinada do Sul algodoeiro dentro da divisão internacional do trabalho da economia-mundo capitalista industrial (Marquese & Parron, 2011). A nota 18 do capítulo de Salles explicita a divergência teórica e de interpretação. O silêncio de Salles sobre a diferenciação entre unidade de análise e unidade de observação, que Philip McMichael (1991) toma como seu ponto de partida metodológico, indica uma clara rejeição do que constitui o cerne da perspectivado sistema-mundo. Nesse artigo que recebeu a ressalva de Salles, McMichael traz uma explicação para a gênese da Guerra Civil dentro do escopo teórico e metodológico empregado por Tomich quando da elaboração do conceito da segunda escravidão. Daí meu desacordo com a assertiva de que “as classes senhoriais escravistas da segunda escravidão (...) não (...) podem ser subsumidas a uma lógica capitalista global”. Os senhores de escravos algodoeiros do Sul dos Estados Unidos o foram na sua gênese e no seu ocaso. A demanda algodoeira que propiciou a notável expansão da escravidão sulista – e, portanto, a construção da classe senhorial sulista do século XIX – foi uma decorrência direta do empuxo criado pela primeira Revolução Industrial; foi a subsunção dessa classe à lógica capitalista global que gerou, em meados do século XIX, as contradições que a levaram ao rompimento com os Estados Unidos da América, à fundação de um novo Estado escra1 Esse segundo tema, a bem da verdade, foi abordado em trabalhos anteriores do autor (Salles, 1996, p. 158-167; Salles, 2008, p. 79-110), que muito me inspiraram em outro artigo (Marquese, 2015).

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