A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

82 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica macroeconomia da escravidão. No plano microeconômico, a escravidão era eficiente. No plano macroeconômico, comparando-se Norte livre versus Sul escravo, não era, o que certamente nos ajuda a entender melhor, e nos termos de Salles, o resultado de 1865. Malgrado os esforços de alguns dos colaboradores de Slavery’s Capitalism em argumentar em contrário, Norte e Sul representavam, de fato, dois mundos profundamente distintos e antagônicos na década de 1850. Isto, contudo, nem sempre foi assim. A pequena propriedade que Ricardo Salles toma como “uma das condições do desenvolvimento capitalista do Norte” teve, ela própria, uma história. A pequena propriedade da Nova Inglaterra e das chamadas “Colônias do Meio” no século XVIII não era a mesma que a do Meio-Oeste em 1850. A ideologia do solo livre que impulsionou o Partido Republicano naqueles anos que antecederam a Guerra Civil se escorava em uma leitura que glorificava o mundo da pequena propriedade colonial e das décadas iniciais da República dos Estados Unidos da América, cada vez mais distante das realidades da expansão do trabalho assalariado no Norte. A ideologia do trabalho livre não era a do trabalho assalariado, dentre outras razões pela concepção de que um trabalhador assalariado, enquanto dependesse de outrem (seu patrão), jamais seria inteiramente livre (Foner, 1970). O que Quentin Skinner (1999) denominou como a “teoria neo-romana de liberdade”, ainda que continuasse a ser empregada em meados do século XIX, estava prestes a desaparecer com os resultados da Guerra Civil e, sobretudo, com a mutação de fundo na própria reconceituação da natureza do trabalho assalariado . Não tenho como lidar com toda complexidade dessa transformação neste comentário, cabendo-me tão somente sugerir que a cristalização do trabalho assalariado como trabalho livre – e não mais como trabalho dependente – representou o ponto de chegada, a vitória final do projeto hegemônico do abolicionismo surgido no momento do arranque da Revolução Industrial. É assim que leio o livro de Robert Steinfeld (2001): o fato de ter sido a resistência dos trabalhadores ao longo do século XIX que levou ao desaparecimento da coerção extraeconômica legal nas relações entre patrões/assalariados acabou por reforçar o poder ideológico do antiescravismo e, portanto, seu papel instituinte na naturalização e universalização do trabalho assalariado como trabalho livre. E, no plano material, esses dois processos de naturalizar e universalizar uma dada ideologia estiveram diretamente ligados a um outro arranque da economia-mundo capitalista: o da “Era do Capital” e da Segunda Revolução Industrial (Hobsbawm, 2000; Hobsbawm, 1988).

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