A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

79 Escravidão histórica e capitalismo histórico: notas para um debate pode-se dizer – que Immanuel Wallerstein dá para a divisão internacional do trabalho no arco de tempo do século XVI ao século XX. Procede, portanto, a assertiva de Leonardo Marques de que a perspectiva que embasou a proposta original da segunda escravidão guarda mais relevância do que a marcação espaço-temporal imediata do conceito em si (a escravidão do século XIX no Brasil, em Cuba e nos Estados Unidos), na medida em que ela – a perspectiva – nos dá ferramentas para se reexaminar outros períodos e regiões da escravidão do Novo Mundo. O próprio pressuposto de que a escravidão que antecedeu o século XIX teria sido marcada por uma tessitura temporal única, o tempo da primeira escravidão, pode ser questionado com base no quadro analítico que Tomich propõe. Foi o que fiz em um trabalho que desenvolvi em parceria com Tâmis Parron e Márcia Berbel, no qual equacionamos as assimetrias da escravidão colonial (portuguesa, espanhola, holandesa, inglesa e francesa) a partir da chave de uma teoria dos tempos históricos plurais, próxima à que informou Tomich na elaboração do conceito da segunda escravidão. O tempo da primeira escravidão teria sido em realidade cortado por duas estruturas temporais de longa duração, a do sistema atlântico ibérico e a do sistema atlântico do noroeste europeu, cada qual formada como parte dos momentos particulares da economia- -mundo capitalista europeia (os dois primeiros ciclos sistêmicos de acumulação identificados e analisados por Giovanni Arrighi [1996]). Essas estruturas temporais coexistiram no longo século XVIII como dois tempos distintos, porém unificados e mutuamente formativos – no que Koselleck (2006) descreve como a “contemporaneidade do não-contemporâneo” (Marquese; Parron; Berbel, 2016). Como bem lembra Leonardo Marques, até agora foi nula a contribuição da historiografia sobre a escravidão brasileira para o debate corrente sobre a “Grande Divergência”. Tal enquadramento sobre os múltiplos estratos de tempo do colonialismo europeu nas Américas, caso ele consiga reabrir sob novas lentes a discussão sobre as relações entre a economia do ouro da América portuguesa e as transformações da economia-mundo capitalista no longo XVIII, poderá vir a nos ajudar nessa empreitada. *** Em seu ensaio de 1988, um dos alvos de Tomich foi o de explicitar os limites das narrativas que tomaram o período de 1787 a 1888 como o “século da emancipação”. Sob o manto de uma aparente continuidade

RkJQdWJsaXNoZXIy MjEzNzYz