A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

77 Escravidão histórica e capitalismo histórico: notas para um debate sistema não nasceu pronto. Foi fruto de um longo processo de transformações históricas, desencadeadas em determinadas regiões da Europa Ocidental, a partir dos séculos XV e XVI, estendendo sua dominação em escala planetária, principalmente pelo mundo atlântico”. O pressuposto de que o capitalismo nasceu na Europa e depois se difundiu pelo globo é explicitado na nota 14. Salles desconsidera, por conseguinte, o argumento espacial contido na perspectiva do sistema-mundo, qual seja, o de que o capitalismo não se formou primeiro na Europa e depois se expandiu pelo mundo, mas de que ele teria se formado em seu próprio processo de expansão espacial, isto é, na constituição de uma economia-mundo (Wallerstein, 1974). Um exemplo simples: as transformações agrárias que se verificaram na Inglaterra no “longo século XVI” (1450-1650) e que são conceituadas pela tradição mencionada como resultantes exclusivas de processos locais, isto é, da dinâmica das transformações econômicas, sociais e políticas ocorridas dentro dos marcos territoriais ingleses, em realidade só podem ser entendidas em sua completude caso verifiquemos as articulações mais amplas do campo inglês com os circuitos mercantis da economia europeia (do Báltico ao Mediterrâneo), eles próprios em processo de rápida reconfiguração resultante dos desdobramentos da expansão ultramarina ibérica (Miskimin, 1984, p. 271-273). O mais relevante neste ponto, contudo, não está nisso. Quando propôs o conceito da segunda escravidão em 1988, Dale Tomich estava promovendo um engajamento crítico com a própria teorização do sistema-mundo avançada por Immanuel Wallerstein. Como esse eminente sociólogo foi o maior e mais famoso divulgador daperspectivado sistema- -mundo, porém não seu praticante exclusivo, tornou-se moeda corrente na literatura sociológica e historiográfica a confusão entre uma coisa e outra. A crítica de Tomich à teorização de Wallerstein dá o sentido de um notável ensaio de 1997, no qual efetua uma avaliação precisa das “abstrações violentas” – a expressão é de Derek Sayer (1987) – do debate Brenner x Wallerstein, posteriormente replicado no debate de menor voltagem Stern x Wallerstein (Brenner, 1977; Wallerstein, 1980; Stern, 1988; Wallerstein, 1988). Essas discussões giraram em torno de oposições estanques e binárias (produção x mercado, capitalista x pré-capitalista, trabalho assalariado x trabalho não-assalariado, estrutura x agência), “como se cada um desses termos representasse uma realidade fechada, distinta e permanentemente integrada”. Assim, as interpretações do capitalismo oscilaram entre trabalho assalariado e mercado mundial como seu polo organizador. Os que identificavam o capitalismo com o tra-

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