A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

65 Unidades de análise, jogos de escalas e a historiografia da escravidão no capitalismo Essa concepção fica evidente em sua discussão sobre os Estados Unidos: da perspectiva da economia-mundo, o Sul algodoeiro dos Estados Unidos e a Grã-Bretanha industrial não formam “economias” escravistas e capitalistas separadas, mas, em vez disso, são vistos como dois pólos da divisão de trabalho econômica e geográfica mundial. Eles são interdependentes e mutuamente formativos um do outro através da forma de mercadoria (Tomich, 2016, p. 85). Os trabalhos recentes de Rafael Marquese evidenciam que essa perspectiva pode ser empregada de modo frutífero em outros espaços. Em seus estudos sobre o Vale do Paraíba, o historiador tem demonstrado que a produção escravista de café na região se desenvolveu em competição com outras zonas cafeeiras do mundo, como Java, onde o Estado holandês recriou formas pregressas de trabalho compulsório para poder disputar com o produto brasileiro no mercado mundial. Conectados pela economia mundial capitalista, os dois espaços se condicionaram mutuamente (Marquese, 2015). Um número crescente de trabalhos, inspirados pelo conceito de segunda escravidão, também tem explorado os condicionamentos mútuos entre diferentes partes do sistema mundial no longo século XIX (Berbel; Marquese; Parron, 2010; Parron, 2015; Silva Júnior, 2015; Marques, 2016; Tomich, 2016; Rood, 2017; Youssef, 2017). Considerando os debates da segunda escravidão, notamos, contudo, que a questão sobre o lugar do abolicionismo em sua formação e eventual destruição permanece mal resolvida. A importância do abolicionismo na transição da primeira para a segunda escravidão é problemática em alguns dos relatos mais sintéticos do tema. Em sua crítica da Nova História Econômica, por exemplo, Tomich observa que historiadores como Seymour Drescher e David Eltis isolam as esferas econômica, política e cultural para defender a abolição como um processo político-cultural, o que fazem de fato. Entretanto, em sua resposta, Tomich reproduz o isolamento inverso ao reafirmar uma explicação excessivamente econômica dessa transição. Em vez de integrar as três esferas (política, econômica e sociocultural), ele rebate as críticas a Williams com uma reafirmação do caráter econômico da transição. Tal estratégia fica evidente se observarmos a Figura 1 de seu texto, em que os desempenhos econômicos da Jamaica, Guiana e Cuba começam a ser analisados a partir de 1807, precisamente o ano em que o Parlamento Britânico formalizou a abolição do tráfico transatlântico de

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