A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

64 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica “comparação integrada” fornecidos por McMichael é o trabalho de Dale Tomich, no qual demonstra que a escravidão na Martinica esteve conectada de forma dinâmica a uma economia mundial (que tinha o trabalho assalariado metropolitano em seu centro) e às rivalidades imperiais envolvendo França e Inglaterra (Tomich, 1990). A partir de preocupações teórico-metodológicas semelhantes, e com um profundo conhecimento de tradições historiográficas latino-americanas e caribenhas, Dale Tomich desenvolveu o conceito de segunda escravidão. Por meio desse conceito, o historiador buscava apreender tanto as novas características da escravidão oitocentista – que articulava o Império do Brasil, a colônia espanhola de Cuba e os Estados Unidos –, quanto seu enquadramento na economia mundial capitalista. Enquanto o escravismo colonial do século XVIII, particularmente produtivo nas possessões britânicas e francesas do Caribe, foi caracterizado por políticas mercantilistas que monopolizavam as exportações das colônias e isolavam os produtores coloniais da competição direta de seus rivais, na virada do século, de acordo com Tomich, tal estrutura foi completamente reconfigurada, com uma transformação profunda do mercado mundial, sob a égide do Império Britânico. As fontes de poder não estavam mais exclusivamente no domínio político das colônias, e sim no controle econômico sobre os fluxos de mercadorias. Uma nova divisão internacional do trabalho estimulou a expansão das fronteiras escravistas no Brasil, em Cuba e nos Estados Unidos, reflexo direto do crescimento acentuado da demanda por café, açúcar e algodão nos novos centros industriais do Ocidente. Ao mesmo tempo, a expansão dessas fronteiras escravistas se aproveitava dos diversos avanços tecnológicos trazidos pela Revolução Industrial (Tomich, 1990). Parte da força do conceito de segunda escravidão reside, justamente, em seu esforço de tratar o capitalismo como um sistema socioeconômico constituído historicamente, em que “a produção e a troca podem ser entendidas antes como relações que pressupõem, condicionam e são formadoras uma da outra como partes distintas de um todo. Se concebermos a economia social dessa maneira, a unidade de análise relevante se define pela extensão dos processos inter-relacionados de produção, distribuição, troca e consumo” (Tomich, 2011, p. 70). Essa abordagem não apenas nos permite transcender discussões bizantinas em torno da primazia da produção ou desses seres míticos que atendem pelo nome de circulacionistas , mas também nos fornece um bom caminho para explorar como o capitalismo combinou múltiplas formas de trabalho em sua trajetória histórica, dentre as quais esteve a segunda escravidão.

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