A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

54 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica Se os elos entre as colônias e o desenvolvimento do capitalismo eram tênues, como afirmava boa parte do campo, os historiadores podiam, então, se dedicar a explorar as dinâmicas internas de economias americanas ou europeias. Esse olhar para dentro era complementado por desenvolvimentos importantes nas próprias práticas historiográficas. Em resposta aos desafios da chamada guinada linguística da década de 1960, muitos historiadores responderam com uma redução da escala de análise e um mergulho ainda mais intenso nos arquivos. Para Giovanni Levi, por exemplo, a redução da escala de observação operada por micro-historiadores italianos, que se afastaram dos sistemas de explicação funcionalistas e marxistas, permitia uma descrição mais realistado comportamento humano (Levi, 1992). O problema era (e continua sendo) como realizar essa redução da escala sem perder de vista os grandes processos. De acordo com Levi, o particular deveria servir como ponto de partida para a construção de contextos, que não estariam mais dados de antemão. Nesse sentido, a microanálise oferecia não apenas um modo privilegiado de se observar processos mais amplos, mas a própria base a partir da qual esses se constituem (Levi, 1999). A movimentação entre essas diferentes escalas, no entanto, revelou-se na prática muito mais complicada. Como argumenta William Sewell Jr., falta às gerações mais recentes da Escola dos Annales, fortemente influenciadas pela Micro-História italiana, “uma forma de capturar a dialética contínua entre processos de pequena e grande escala. O pensamento atual dos Annales aparentemente elaborou apenas uma das metades dessa dialética necessária” (Sewell Jr., 2005, p. 76). Para Sewell, a despeito das tentativas de abordagem de níveis macro a partir de uma escala reduzida de análise, ainda não está claro como esta pode efetivamente tratar de processos como a expansão do capitalismo. Além disso, a transformação do trabalho de arquivo em fim último da prática historiográfica trouxe importantes consequências para a disciplina, como nota Gary Wilder. O historiador foi se tornando um especialista em arquivos, o que levou ao desenvolvimento de uma série de conclusões – demonstráveis principalmente pelo recurso às fontes primárias – que foram (e têm sido) repetidas à exaustão na historiografia: fenômenos históricos são mais complexos do que o representado por abstrações teóricas; eventos contingentes tem um papel importante em processos históricos; mudanças históricas são resultado de muitos determinantes e não de uma única causa; a ideologia nunca é totalmente convincente para to-

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