A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

47 A segunda escravidão e o debate sobre a relação entre capitalismo e escravidão. Ensaio de historiografia passivamente à imposição de uma ordem mundial de livre comércio, inteiramente derivada do desenvolvimento do capitalismo enquanto sistema internacional, imposta pela potência capitalista hegemônica, a Grã-Bretanha. É certo que essa ordem mundial de livre comércio, vigente entre 1815 e 1870, obedeceu primordialmente a uma lógica – a pax britannica – preconizada pela Grã-Bretanha. Tal lógica, contudo, não derivou de um consenso internacional, interestatal e social, nascido da difusão irrestrita do capitalismo mundial. Estados e forças sociais não capitalistas beneficiavam-se, através da produção de commodities , da divisão de trabalho internacional propiciada por essa ordem mundial, e contribuíram para sua construção. Essas forças sociais e Estados eram, por um lado, as aristocracias e Estados monárquicos europeus, mais resistentes à penetração do capitalismo em suas respectivas nações. Por outro, foram forças sociais e Estados americanos organizados em torno da segunda escravidão (Lacher; Germman, 2012). 17 Contudo, como vimos, as classes senhoriais escravistas da segunda escravidão, se comparadas às aristocracias europeias, não estavam em processo de retirada, mesmo que organizada, diante do avanço do capitalismo, como foi o caso das classes aristocráticas pré-capitalistas europeias e, tampouco, podem ser subsumidas a uma lógica capitalista global. 18 17 Esses autores não utilizam a categoria de segunda escravidão, mas fazem menção aos plantadores escravistas, ao lado das aristocracias dominantes europeias, como forças não capitalistas que, juntamente com os interesses capitalistas britânicos, moldaram a ordem internacional de livre comércio no século XIX. 18 Na mesma época em que Dale Tomich elaborava o conceito histórico de segunda escravidão, o sociólogo Philip McMichael, considerou que o Sul não deveria ser compreendido como uma região distinta por conta de seu sistema de trabalho, mas seu sistema de trabalho deveria ser reconceituado “como parte componente de uma emergente força de trabalho mundial no século XIX. Mais especificamente (...), através do mecanismo da expansão da cultura do algodão, o trabalho escravo sulista foi integrado em uma nascente relação assalariada global. Quer dizer, na medida em que o mercado mundial obtinha maior coerência como um sistema unificado por relações de valor (por ex., preços mundiais, financiamento global ancorado em Londres), ele subordinou a produção de mercadorias ao ritmo industrial competitivo do trabalho assalariado” (McMichael, 1991, p. 10-11). Ainda segundo McMichael, essa relação assalariada global se distinguiria do trabalho assalariado em si por duas razões: 1) ela não implicaria em evolução no sentido do trabalho assalariado como um ponto de chegada da organização do trabalho em escala mundial e; 2) o assalariamento seria apenas uma das formas fenomenológicas de trabalho, ainda que decisiva, no complexo mundial de produção de mercadoria que emergiram no século XIX. A escravidão algodoeira teria sido um dos elementos dessa combinação de várias formas fenomenológicas de trabalho em uma unidade contraditória (McMichael, 1991, p. 11). Se é fato que trabalho escravo da segunda escravidão e o novo trabalho assalariado do capitalismo foram partes integrantes de um mesmo processo global, que teve nas relações de trabalho assalariado seu elemento decisivo, isso, no entanto, não tornou essas relações sociais de trabalho equivalentes ou intercambiáveis. A unidade das formas que compuseram essas relações globais foi historicamente contraditória, marcada por disputas entre distintos e, muitas vezes, antagônicos, sujeitos históricos. No caso das formações sociais da

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