A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

46 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica ainda que gozando, cada qual, de características únicas. 15 As classes senhoriais escravistas eram de base agrária, assentando-se em grandes propriedades rurais. Partilharam e difundiram um ethos de propensão aristocrático. Do ponto de vista político, foram adeptas e portadoras de diferentes vertentes de um liberalismo de classe que se contrapôs, por um lado, a uma sociedade de ordens, colonial e/ou de Antigo Regime, e, por outro, às concepções de um liberalismo democrático. Esse liberalismo de classe, por sua vez, baseou-se em uma concepção de liberdade que tinha no individualismo proprietário sua pedra angular. No caso específico da segunda escravidão, essa concepção teve como fundamento a concepção do direito à propriedade de outrem e, consequentemente, a aceitação, por razões divinas e/ou históricas, da condição escrava do trabalhador. 16 A segunda escravidão, assim como qualquer outra estrutura histórica abrangente, só existiu porque foi recíproca e historicamente sobredeterminada por esses mesmos blocos históricos particulares. Nos Estados Unidos, tudo isso se consolidou através de uma república com uma estrutura de poder federativa e consorciada entre estados escravistas e estados livres. Um pacto político estabelecido entre 1786 e 1820 fez com que, até a década de 1850, os interesses escravistas prevalecessem, mas não predominassem integralmente, no Governo Federal. Esse pacto girou, tensionou-se e, eventualmente, rompeu-se em torno da questão de quem controlaria a grande expansão territorial pelo subcontinente norte-americano. Já o Império do Brasil teve uma estrutura de poder unitária, baseada na disseminação da escravidão por todo território nacional, alicerçada na hegemonia política e social da classe senhorial, especialmente de sua fração da Bacia do Paraíba do Sul. Em um caso e no outro, ainda que de formas diferentes, a escravidão afro-americana constitui-se no principal esteio de dois Estados e nações em que a escravidão predominava parcial ou inteiramente em sua constituição: o norte-americano, até sua crise do final da década de 1850, e o brasileiro, até o colapso do regime servil e, consequentemente, do Império, na conjuntura de 1888-89. Do ponto de vista internacional, o Império do Brasil e, principalmente, os Estados Unidos, ainda que periféricos, não se submeteram 15 Sem espaço para grandes digressões, pode-se caracterizar, simplificadamente, o conceito gramsciano de bloco histórico como a unidade particular, histórica e espacial (geográfica) , da estrutura material e social e de superestruturas político-jurídicas e ideológicas. Para uma discussão sobre o assunto, ver Portelli (1977). 16 Para o conceito de liberalismo de classe, ver Salles (2017). Para a ideia de individualismo proprietário, como fundamento da concepção fisiocrata da economia, embasando uma concepção de propriedade do período de transição para o capitalismo, específica do regime e da ordem escravista, ver Fox-Genovese; Eugene Genovese (1983).

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