A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

44 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica Contudo, o desgaste do Sul com a guerra era maior, e não apenas do ponto de vista estritamente econômico. No plano político, a exclusão dos escravos da esfera pública não significava sua neutralização política em sentido mais amplo. A ordem escravista, em sua dimensão privada e pública, fundava-se no medo. Medo imposto sobre os escravos pela violência direta, ou a ameaça de seu exercício, e medo real ou potencial, provocado por esses mesmos escravos sobre seus senhores e sobre a sociedade em geral. Desde a Revolução Haitiana, temia-se que insurreições e revoltas escravas pudessem se tornar revoluções. Esse era o motivo de fundo que havia levado a maioria das lideranças sulistas, refletindo o estado de espírito da maior parte dos senhores, a rejeitar a convivência subalterna em uma União dominada pelo Norte e com crescente ativismo abolicionista. Mais cedo ou mais tarde, anteparos como a Lei da Mordaça, que proibia o envio de propaganda abolicionista para o Sul, se mostrariam insuficientes. Temia-se a fusão da ação abolicionista com a agitação escrava (Ashworth, 2012). Quando a União lançou mão do alistamento de negros livres do Norte e dos escravos do Sul que fugissem para os territórios sob seu controle, isso se mostrou fatal para a Confederação. O fato não só abriu todo um novo manancial para o recrutamento, como também teve o efeito de desorganizar a economia do Sul, que já sofria sob o bloqueio naval imposto pela marinha unionista. No momento em que Lincoln achou dois generais – Ulysses Grant e William Tecumseh Sherman – que souberam traduzir, em estratégia militar, a superioridade econômica e humana do Norte e a debilidade que a presença de uma enorme massa de escravos na retaguarda dos Estados Confederados representava, o efeito sobre o Sul foi devastador e a vitória foi alcançada. Nesse ponto, podemos voltar à questão levantada por Beckert e Rockman de que a tese da oposição entre capitalismo e escravidão estaria baseada numa hipótese contrafactual e não seria válida. Como espero ter deixado claro, o desenvolvimento manufatureiro e capitalista, baseado na expansão do trabalho livre assalariado da economia do noroeste estadunidense se deu, se não de modo inteiramente independente da escravidão, de forma autônoma. Mais ainda, esse desenvolvimento embasou a formação de um bloco de forças sociais e políticas, cada vez mais poderosas, que se opunham à escravidão e cujo objetivo último era sua destruição, exatamente em nome de acelerar tal desenvolvimento. Finalmente, esse desenvolvimento não só se acelerou, mas deu um salto de qualidade com a destruição da escravidão. Foi assim que as coisas aconteceram e essa constatação nada tem de contrafactual.

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