A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

42 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica sinal de potência. Isso, entretanto, era indicativo, na verdade, de uma debilidade, uma vez que esses capitais não tinham flexibilidade para se deslocarem para áreas de investimento que, porventura, se mostrassem mais lucrativas. Nesse sentido, a imensa reserva de valor representada pelos escravos estava sempre sujeita a experimentar um processo de desvalorização, caso novos arranjos políticos nacionais apontassem para uma abolição gradual. Finalmente, deve-se notar que parte significativa dos capitais que financiavam a economia sulista era proveniente de banqueiros e empresários do Norte que, cada vez mais, eram atraídos por negócios mais rentáveis da economia do noroeste. Em 1860, já podiam prescindir e prescindiram do Sul em seus investimentos. A própria guerra em si, aliás, foi uma excelente oportunidade nesse sentido (Beckert; Rockman, 2016). Os estados escravistas da zona limítrofe com o Norte, com suas economias mais ligadas ao Norte e onde a escravidão era secundária, compreenderam e aceitaram essa situação. Por isso, alinharam-se com a União. Os estados do Sul profundo, que tinham a escravidão no coração de suas economias e seu modo de vida, responderam a essa perspectiva de futuro de forma diametralmente oposta. Separaram-se da União e constituíram os Estados Confederados da América. Foram seguidos, mesmo que relutantemente, pelos estados do Velho Sul, que alinhavam com eles sua economia e seu modo de vida. Apostaram no King Cotton , isto é, no fato de que seu algodão, como mercadoria fundamental para indústria que se desenvolvia na Grã-Bretanha e mesmo no Norte dos Estados Unidos, traria o apoio da primeira e forçaria o segundo a um compromisso. No âmbito político e ideológico, os plantadores e as elites intelectuais sulistas sentiam-se confortáveis com o ideário do liberalismo e com suas noções mais caras, como mercado, propriedade privada, lucro, capital, indivíduo. Tais noções, basilares da modernidade europeia, normalmente assimiladas ao desenvolvimento do capitalismo, à ascensão da burguesia, não podem ser separadas da experiência da escravidão e da exploração colonial, e, no século XIX, da segunda escravidão. Essa contemporaneidade da escravidão entre os séculos XVI e XVII e, especialmente, no século XIX, é uma das razões que torna tão difícil separar escravidão e capitalismo na experiência moderna. 13 Por tudo isso, as elites políticas e os plantadores escravistas do Sul acreditaram na força 13 A escravidão moderna, tanto em sua faceta colonial, quanto como segunda escravidão, fugiria assim da noção de “contemporaneidade do não contemporâneo”, apresentada por Reinhart Koselleck em sua interpretação da modernidade , sendo, rigorosamente, tão contemporânea quanto o capitalismo. Cf. (Koselleck, 2006).

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