A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

41 A segunda escravidão e o debate sobre a relação entre capitalismo e escravidão. Ensaio de historiografia Até fins de 1862, a disposição inicial da ala dominante do Partido, agrupada em torno do presidente Lincoln, foi de firme defesa da União, mas com abertura para aceitar a escravidão como instituição confinada aos limites do Sul. Apenas no final daquele ano, as circunstâncias da guerra levaram-nos a radicalizar e decretar a abolição em todos os Estados Confederados, e somente em 1865, depois da vitória, a abolição universal foi decretada. Sem que pudessem prever, essa disposição de conduzir a guerra até suas últimas consequências e a qualquer custo, dadas as condições demográficas, sociais e, principalmente, econômicas do Norte, longe de levá-lo à exaustão, catapultou seu desenvolvimento capitalista (Egnal, 2009). Isso aconteceu porque, desde 1840, o ritmo do crescimento econômico e demográfico do eixo noroeste-norte tornou-se cada vez mais acelerado do que o do Sul. A economia da região, a partir da década de 1850, passou a se desenvolver de modo independente da escravidão, crescentemente, em competição por recursos nacionais e em oposição a ela. Um claro sinal do desenvolvimento desse capitalismo é o fato de que, em 1850, o número de trabalhadores assalariados nos Estados Unidos já era maior que aquele de escravizados. Uma década mais tarde, ele ultrapassava também o número de trabalhadores por conta própria, que, até então, representavam a base da economia do Norte, do Noroeste e da zona de fronteira no Oeste. Boa parte desses trabalhadores concentrava- -se nas cidades, nas nascentes manufaturas, e na construção de canais e ferrovias, na região (Foner, 1995, p. XV-XVI). É verdade que a economia sulista era tecnologicamente avançada, lucrativa e capitalizada, mas, mesmo assim, não podia competir com o capitalismo nascente do Norte. O capital escravista tinha peculiaridades que o colocavam em desvantagem se comparado com o capital industrial, capitalista , do Norte. 12 A maior parte dos capitais sulistas estava empatada em escravos, fato que Beckert e Rockman (2016) veem como 12 Segundo Marx, o capital preexistiu ao sistema capitalista nas formas de capital mercantil e capital usurário. Nessa condição, apropriava-se de parte do mais valor gerado na produção, de maneira independente das formas dessa produção (modos de produção). O capital industrial, ainda segundo Marx, seria a única forma de capital produtivo que cria riqueza, e não apenas se apropria dela. Sobre essa concepção e sua relação com o que denominam capital escravista-mercantil, ver Pires; Costa (2000). Esses autores corroboram a visão de Marx e cunham o conceito de capital escravista-mercantil para dar conta das economias escravistas modernas. Ligado ao modo de produção específico da moderna escravidão, por sua natureza, exportador de mercadorias, e subordinado ao sistema capitalista internacional, o capital mercantil-escravista seria uma terceira forma de capital não produtivo. A concepção aqui exposta é distinta. Considero o capital-escravista – sem o complemento mercantil, visto como tautológico, uma vez que todo capital é mercadoria – como uma segunda forma de capital produtivo, característico, como o capital industrial, da modernidade.

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