A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

38 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica a vapor do país encontrava-se ao longo do Rio Mississipi e não do Merrimack (Beckert; Rockman, 2016, p. 1-2). A massa de capitais concentrados em mãos de plantadores sulistas era gigantesca. Eram comerciantes e banqueiros nortistas, em grande parte, que comercializavam e financiavam a produção sulista, auferindo com isso grandes lucros. Na administração de seus negócios, os plantadores escravistas visavam o lucro e a acumulação. Sua mentalidade era similar à de seus congêneres capitalistas do Norte. As plantationse a economia do Sul eram tecnologicamente avançadas, empregando máquinas e métodos modernos de gerenciamento do trabalho e de contabilidade. Toda a região contava com uma sofisticada infraestrutura de transportes. Numa palavra, o Sul era tão moderno quanto o Norte. As pretensões de patriarcalismo e paternalismo dos plantadores caminhavam junto com as práticas de busca da maximização dos lucros e com a sacramentalização da propriedade privada, “tornando cada vez mais infrutíferas as rotulações dos senhores de escravos como pre , proto ou quasi -capitalistas” (Beckert; Rockman, 2016, p. 14). Tudo isso foi obliterado pela percepção de que a escravidão era uma forma ineficiente de organização do trabalho e um obstáculo para o desenvolvimento econômico. Tal percepção remontava ao século XVIII e se tornou senso comum quando da vitória do Norte industrializado sobre o Sul escravista, na Guerra da Secessão. Senhores de escravos como John Calhoun declararam-se explicitamente anticapitalistas. Tudo isso impregnou a visão dos historiadores, que excluíram o Sul da assim chamada “transição para o capitalismo” (aspas no original). Para Beckert e Rockman, essa visão baseou-se em uma hipótese contrafactual de que as formas de empreendedorismo, inovação e competição no mercado, características do desenvolvimento do Norte, poderiam ter acontecido sem a escravidão. Entretanto, não aconteceram. Tampouco, seria válida a argumentação de que outras sociedades capitalistas desenvolveram-se sem a escravidão e que outras sociedades escravistas possuíam poucas características capitalistas (2016, p. 3). Em contraposição, tópicos políticos atuais, como a questão das reparações , mesmo controversos, suscitam ricas investigações sobre o papel da escravidão como base material das desigualdades econômicas norte-americanas, passadas e atuais. Movimentos sociais contemporâneos, como a luta global contra o tráfico de seres humanos, por sua vez, demonstram que as economias capitalistas modernas não abrigariam qualquer oposição inerente ao trabalho coercitivo (Beckert; Rockman, 2016, p. 7). Os capítulos deSlavery’s capitalism “não fornecem uma teorização explícita da relação entre capitalismo e escravidão”, mas sim salientam

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