A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

36 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica gar o conceito de segunda escravidão, e tratando da escravidão também no século XVIII e não apenas no XIX. Considerou que o abandono do conceito de capitalismo por correntes historiográficas predominantes na análise da escravidão brasileira do XIX – grosso modo a historiografia do sentido arcaico da escravidão brasileira e a historiografia com ênfase na agência escrava – conduziu a um descaso com os processos históricos de longa duração e com os quadros globais do capitalismo histórico, nos quais se inscreveu o sistema escravista brasileiro. Perdia-se assim a riqueza do acúmulo intelectual produzido anteriormente, na qual a discussão da relação entre escravidão e desenvolvimento capitalista dependente, periférico e excludente no país representava aspecto central (Marquese, 2013a). Três grandes vertentes interpretativas nessa tradição assinalaram lugares distintos para a escravidão na história brasileira. A primeira a viu como momento na formação de uma sociedade e uma economia coloniais, depois semicoloniais e semifeudais. A segunda analisou a escravidão como um dos mecanismos de integração dependente da economia colonial no sistema capitalista dominado pelo mercantil internacional. Finalmente, a terceira e mais recente interpretação a considerou como elemento definidor de um modo de produção próprio, o escravista colonial. Em todos esses casos, a escravidão foi vista como um óbice ao desenvolvimento de um capitalismo robusto e autônomo, nos moldes do capitalismo estadunidense. 9 A comparação com os Estados Unidos, explícita ou implicitamente, fazia sentido na medida em que ambas as sociedades tinham um passado colonial, abrangiam territórios de dimensões continentais e, principalmente, traziam a marca da escravidão afro- -americana em sua formação. Tal debate sobre as relações entre capitalismo e escravidão teve sua contraparte norte-americana. Neste país, também, escravidão foi considerada um obstáculo ao desenvolvimento capitalista, que teria sido uma decorrência da economia livre e não escravista do Norte. Na visão do historiador marxista Eugene Genovese, que teve grande influência na historiografia brasileira e a quem retornarei adiante, a economia e a sociedade do Velho Sul haviam constituído uma civilização em sua integralidade, pré-capitalista, paternalista e patriarcal, ancorada na escravidão. Como tal, havia sido um entrave, que necessariamente teve de ser superado para o desenvolvimento do capitalismo (Genovese, 1976 [1967]). Na década de 1970, no entanto, houve quem salientasse o ca9 Como representantes dessas vertentes, ver, respectivamente, Sodré (1964 [1962]), Prado Jr. (1973 [1942]) e Gorender (1978).

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