A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

35 A segunda escravidão e o debate sobre a relação entre capitalismo e escravidão. Ensaio de historiografia do individualismo, do imperativo e da superioridade do trabalho livre e assalariado. Finalmente, Wallerstein veria o “moderno sistema-mundo” como uma só estrutura histórica empírica internacional, capitalista, vigente desde o século XVI. Ainda que passando por transformações internas, a característica central dessa estrutura era sua divisão em zonas centrais, semiperiféricas e periféricas. A cada uma dessas zonas, corresponderia uma forma específica de trabalho: livres, no centro, formas de parceria, na semiperiferia, e coercitivas, incluindo a escravidão, na periferia. O sistema como um todo, através da integração dessas diferentes zonas e suas formas de trabalho, estaria voltado para a produção dirigida ao mercado mundial e para a realização do lucro. Classes e nações hegemônicas seriam aquelas que dominariam os circuitos desse mercado mundial, ficando, assim, com a maior parte do sobretrabalho produzido e realizado no sistema. Nesse sentido, a escravidão não apenas seria compatível com o capitalismo, mas estaria mesmo em sua essência enquanto um modo de produção periférico. Por razões que não cabe aqui analisar, o conceito de segunda escravidão hibernou entre sua primeira formulação, de 1988, e sua crescente utilização por estudiosos da escravidão afro-americana do século XIX a partir de fins da primeira década do século XXI. 8 Nos Estados Unidos, Christopher Schmidt-Nowara, pioneira e isoladamente, o utilizou, em 1999, em concomitância com a ideia de “segundo império”, para dar conta da vitalidade e das novas condições da escravidão cubana e porto-riquenha no Novo Império Colonial Espanhol do século XIX (Schmidt- -Nowara, 1999). No Brasil, a penetração do conceito de segunda escravidão no meio acadêmico experimentou um percurso algo distinto. Em 2004, Rafael Marquese o empregou, em Feitores do corpo, missionários da mente , para dar conta das especificidades da administração dos escravos no Brasil, nos Estados Unidos e em Cuba no século XIX (Marquese, 2004). Em E o Vale era o escravo , de 2008, analisei a escravidão de Vassouras e, por extensão, do Vale do Paraíba, como segunda escravidão (Salles, 2008). Menos do que acentuar o papel da escravidão no desenvolvimento de uma economia capitalista nessas regiões, até porque tal desenvolvimento não ocorrera em Cuba e no Brasil, tratava-se de salientar o caráter moderno, não arcaico, dessa escravidão. Em texto de cunho teórico-historiográfico de 2013, Marquese retomou e aprofundou o tema, ainda que sem empre8 Para uma discussão sobre o assunto, ver Marquese; Salles (2016).

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