A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

34 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica industrial. Finalmente, as zonas produtivas da segunda escravidão caracterizaram-se pelo emprego de modernas tecnologias, tanto no que diz respeito ao aspecto técnico e à organização do processo de trabalho e produção, quanto no que concerne aos meios de transporte e aos mecanismos de comercialização e financiamento, em escala nacional e internacional. Ao salientar esses elementos, Tomich explicitamente diferenciava sua interpretação de três concepções que, até então, haviam tratado da escravidão moderna em suas relações com o desenvolvimento do capitalismo: a concepção da New Economic History norte-americana, exemplificada no livro de William Fogel e Stanley Engerman, Time on the cross (Fogel; Engerman,1974); a marxista, personificada por Eugene Genovese, em The political economy of slavery (Genovese, 1976 [1967]); e a do “moderno sistema-mundo”, de Immanuel Wallerstein, então consubstanciada nos três volumes de The modern world-system (Wallerstein, 2011 [1974], 2011 [1979] e 2011 [1980]). 7 Segundo Tomich, aNew Economic Historygeneralizava e utilizava indiscriminadamente categorias econômicas aplicáveis ao capitalismo como fatores universais, mas válidos e encontráveis também na economia escravista. Assim, deixava de lado as particularidades históricas das relações sociais escravistas. Genovese, ao contrário, veria escravidão e capitalismo como sistemas incompatíveis, este mais moderno, fundado na generalização das relações sociais baseadas na exploração do trabalho livre e assalariado, e aquele como pré-capitalista e atrasado. A escravidão moderna havia sido uma fase necessária no processo histórico de acumulação primitiva de capitais, condição necessária para o surgimento do capitalismo, equiparado à universalização das relações de trabalho assalariado como forma de produzir mais valor. Mas, a partir de fins do século XVIII, pela natureza mesma de suas relações de trabalho escravistas, com suas implicações sociais, políticas e culturais, havia se tornado um obstáculo à formação e à expansão do capitalismo, enquanto modo de produção pleno. A escravidão no Sul dos Estados Unidos, desenvolvendo-se como um sistema social e econômico integrado, com a generalização, a centralidade e a reprodução em escala ampliada das relações de propriedade e trabalho escravistas, havia gestado uma classe dominante peculiar, com sua própria visão de mundo, na qual o ruralismo e o patriarcalismo desempenhavam papel central. Tudo isso entrava em choque com o capitalismo, com sua busca do lucro e da acumulação pela acumulação, e seus valores 7 Um quarto volume, sobre o século XIX, principalmente em seus aspectos políticos, apareceu em 2011 (Wallerstein, 2011).

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