A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

33 A segunda escravidão e o debate sobre a relação entre capitalismo e escravidão. Ensaio de historiografia gros e seus descendentes, na África e na América. No século XIX, quando a liberdade ganhou o sentido de antônimo da escravidão, inclusive com sua extensão para o campo moral e político, essa constelação semântica foi se desfazendo com a deslegitimação, primeiro, do direito de escravizar, e, segundo, da própria propriedade escrava. Essas mudanças semântico-conceituais não aconteceram em um vazio, mas acompanharam transformações e incidiram sobre as economias e sociedades escravistas. Numa primeira leitura, tais mudanças e transformações pareceram ter um sentido linear, da escravidão ao capitalismo, e da escravidão à liberdade, acarretando ou acompanhando seu desaparecimento. Entretanto, no Sul dos Estados Unidos, no Brasil e em Cuba, a escravidão do século XIX esteve longe de ser apenas uma herança evanescente do passado colonial. Nessas regiões, conheceu um dinamismo e uma dimensão nunca antes experimentada no período colonial. Mais do que isso, vemos a escravidão como a principal base material para a construção desses Estados nacionais liberais e do Segundo Império Espanhol. A segunda escravidão Percebendo essas diferenças significativas entre a escravidão colonial e a escravidão do século XIX, principalmente no plano econômico, e antevendo suas consequências mais amplas, o historiador norte-americano Dale Tomich formulou, em 1988, o conceito de “segunda escravidão”. O conceito, revisado em capítulo de livro de 2004 (Tomich, 2011 [2004]), tem ganhado crescente aceitação entre os historiadores da escravidão afro-americana do século XIX, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil. Numa leitura pontual, indica quatro especificidades histórico-estruturais da escravidão afro-americana que seriam próprias do século XIX no Sul dos Estados Unidos, no Brasil, particularmente no Vale do Paraíba e suas zonas adjacentes, e em Cuba. Em primeiro lugar, enquanto declinava ou entrava em processo de abolição em outras regiões das Américas, a escravidão afro-americana renovou-se e se expandiu, em escala inédita nessas áreas. Em segundo lugar, isso ocorreu em íntima conexão com o desenvolvimento do capitalismo industrial e a consolidação da hegemonia internacional britânica, fatores que, direta ou indiretamente, contribuíam para o declínio e a abolição da escravidão no restante das Américas. Em terceiro lugar, a segunda escravidão fez parte e nutriu-se do mesmo processo de expansão do mercado internacional correlato ao desenvolvimento do capitalismo

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