A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

32 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica logo aquela análise historiográfica , mas de uma correspondência não linear, entre teoria e interpretação historiográfica. Entre o constante ir e vir da teoria à historiografia, há espaço para contradições, hiatos, omissões, correções. A correspondência entre historiografia e teoria é sempre imperfeita e inconclusa. Refazer e aclarar os nexos dessa correspondência deve servir para enriquecer o conhecimento historiográfico e também o teórico. Se levada ao extremo teórico-abstrato, a discussão torna-se falaciosa, nominativa, formalista, irredutível e bizantina. Cai-se, facilmente, na tautologia assinalada acima, que Graham apontou em suas considerações. Varrer o debate para debaixo do tapete em nome da superioridade da análise empírica e daquilo que os documentosdizem , por sua vez, não resolve o problema. É um retorno, muitas vezes disfarçado, ou mal disfarçado, em técnicas e metodologias de pesquisa sofisticadas, à falácia da História metódica, dita positivista, do século XIX. É uma forma de naturalizar conceitos e noções, implícitas ou ditas de passagem, que informam e informaram a imaginação dos historiadores, dos agentes históricos e de seus tempos. Isso pode ser constatado quando verificamos a falta de penetração de uma discussão teórica e historiográfica na definição dicionarizada do vocábulo escravidão . Segundo o Houaiss , escravidão é a “condição de escravo”, sendo que escravo é “... aquele que, privado da liberdade, está submetido à vontade absoluta de um senhor, a quem pertence como propriedade”. O antônimo de escravidão é liberdade. Há ainda uma segunda definição, segundo a qual a escravidão é um “sistema socioeconômico baseado na escravização das pessoas; escravismo, escravagismo, escravatura”. 6 Liberdade, propriedade e escravidão, no entanto, nem sempre tiveram o mesmo conteúdo no processo histórico. Deixando de lado a Antiguidade, pode-se dizer, simplificadamente, que essa constelação semântica foi uma, no período colonial, marcado pelo Antigo Regime e pela sujeição à Metrópole; e outra, no século XIX, marcado pela ascensão dos Estados nacionais, do liberalismo, do abolicionismo e pela inserção das economias escravistas na economia-mundo dominantemente capitalista. No primeiro caso, a liberdade, além de antônimo da escravidão, era também, em larga medida e entre outras coisas, a liberdade de escravizar e ter escravos. Não qualquer um, nem em qualquer lugar, mas africanos ne6 Dicionário Houaiss da Língua Portuguesaonline, ibidem. Não deixa de ser significativo, para os propósitos deste texto, que o neologismo escravismonão exista na língua inglesa. Significativo também é o fato de que, ainda segundo oHouaiss , sua aparição dicionarizada em português, de 1885, anteceda a de capitalismo , que é de 1899.

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