A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

163 Segunda escravidão, espaços econômicos e diversificação regional no Brasil imperial de sugerir que o modelo de Cano, em linhas gerais, está correto quando contrasta a economia cafeeira do Oeste de São Paulo à do Vale do Paraíba fluminense. Segundo o autor, a expansão da escravidão na produção de café no Oeste de São Paulo se combinou com relações capitalistas de produção, fortalecimento do mercado interno e avançada agricultura mercantil. Esse conjunto de atividades formava um complexo econômico que envolvia café, agricultura, transportes, indústria, comércio e finanças, o que ampliou o potencial de acumulação do complexo paulista e criou as bases para o desenvolvimento industrial na Primeira República (Cano, 1990, p. 17-120). O processo de montagem e expansão da economia cafeeira do Vale do Paraíba foi todo ritmado pelos padrões da segunda escravidão. Nas áreas pioneiras de fronteira do Oeste paulista (“Oeste Novo”), o processo se inscreveu em uma nova temporalidade, balizada pelo fechamento do tráfico atlântico (e, depois de 1881, também do tráfico interprovincial), pela Lei do Ventre Livre e pelo papel crucial das ferrovias (Marquese, 2013). Ao contrário do que postula Cano, a montagem da economia cafeeira no “Oeste Novo” dependeu do trabalho escravo e, não por acaso, a região foi um dos principais destinos do fluxo de escravos comercializados na época do tráfico interprovincial. Contudo, a nova classe de fazendeiros do Oeste paulista lidou, desde a década de 1870, com a necessidade de obter novas fontes de trabalho. Fortalecidos pelo dinamismo de uma zona pioneira com grandes possibilidades de crescimento, esses fazendeiros articularam com o governo provincial de São Paulo as condições para a imigração subsidiada que assegurou a força de trabalho necessária para expandir a cafeicultura paulista e superar a dependência do trabalho escravo, ao contrário do que ocorreu no Vale do Paraíba. Não se trata de repor a análise que opõe uma suposta mentalidade capitalista e moderna dos fazendeiros paulistas à mentalidade escravista e arcaica dos fluminenses, mas sim de compreender as condições materiais que permitiram que os primeiros gerenciassem a transição do regime de trabalho sem que isso afetasse sua capacidade de acumulação (Marquese, 2013). Nesse sentido, é possível readequar a explicação de Cano sobre as diferenças entre os complexos paulista e fluminense, inscrevendo sua formação e desenvolvimento na temporalidade da crise do cativeiro. O trabalho de Saraiva e Almico nos permite refletir sobre o impacto desigual da escravidão e dos diferentes complexos agroexportadores nos processos de industrialização no Brasil. Se, até o fim do século XIX, eles estimularam a urbanização, a diversificação dos serviços e as

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