A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

161 Segunda escravidão, espaços econômicos e diversificação regional no Brasil imperial cratividade do trabalho escravo é compreender que a emergência de um mercado mundial integrado e a expansão do trabalho assalariado tornaram as condições de existência da escravidão mais vulneráveis e voláteis do que na época colonial (Tomich, 2011, p. 81-97). Rafael Marquese e Ricardo Salles (2016) argumentam que a nova escravidão do Brasil oitocentista teve seu polo dinâmico e estruturante na grande propriedade rural produtora de commodities para o mercado mundial capitalista. As atividades voltadas ao mercado interno giravam em torno de núcleos exportadores e dependiam de seu dinamismo. A plantationnão foi, portanto, um enclave sobreposto ao tecido social e escravista disperso herdado do século XVIII, mas sim sua espinha dorsal. 13 Marquese e Salles demonstram que o desenvolvimento da economia cafeeira no Vale do Paraíba assegurou recursos financeiros e poder político para a consolidação do Estado nacional. Ao mesmo tempo, a reprodução das relações sociais escravistas dependeu da ação permanente do aparato estatal do Império. Só foi possível preservar a legitimidade e a segurança jurídica da escravidão, bem como a retomada do tráfico negreiro contra a pressão diplomática e militar britânica, com a construção de um consenso dentro dos marcos do Estado nacional brasileiro. A reprodução da escravidão oitocentista se ancorou na existência de classes senhoriais poderosas que tinham condições de impor a proteção da instituição no plano político nacional. Mas isso não era suficiente para assegurar condições sistêmicas para a preservação e a expansão da escravidão em um quadro internacional hostil liderado pela Grã-Bretanha. Os espaços escravistas dinâmicos se integraram ao longo da primeira metade do século XIX. Na década de 1830, Cuba e Brasil se inscreveram no eixo econômico e geopolítico norte-americano e o escravismo deixou de ser um conjunto de unidades relativamente dispersas para conformar um subsistema do capitalismo global, no qual os interesses dos Estados escravistas convergiam em busca de legitimação, poder e recursos econômicos para enfrentar as pressões antiescravistas. O escravismo oitocentista, portanto, rompeu com os quadros sociais da 13 Quando se trata da escravidão moderna, não há como se falar em sistemas escravistas isolados ou autossuficientes, como propôs Roberto Borges Martins (2018) para Minas Gerais no século XIX. A reprodução da escravidão no Brasil oitocentista, em todas as suas formas particulares, dependeu de laços econômicos, políticos e ideológicos que ganhavam expressão e sustentação no Estado nacional. A crítica que Stanley Engerman e Eugene Genovese (1983) realizaram ao trabalho de Martins emprega esse argumento. Segundo os autores, as sociedades escravistas modernas dependiam da vinculação com o mercado mundial capitalista e eram incapazes de se reproduzir sem ele. Setores produtivos escravistas de subsistência ou orientados ao mercado interno só poderiam perseverar se integrados a economias escravistas exportadoras de commodities .

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