A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

160 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica arrolados em inventários de cafeicultores entre 1830 e 1859 (Moreno, 2013, p. 93). Com efeito, o novo padrão de reprodução do escravismo no século XIX gerou uma estrutura social comum nas fronteiras do café, do açúcar e do algodão no Brasil, em Cuba e nos Estados Unidos, caracterizada por grandes unidades agroexportadoras que concentravam terras e escravos, adotavam tecnologia industrial na produção e no transporte e se valiam de regimes disciplinares rígidos para incrementar a produtividade do trabalho. No Brasil, porém, essa nova forma social não foi tão abrangente como em Cuba e nos Estados Unidos e conviveu com a disseminação da posse e a diversificação da economia escravista. Portanto, se empregarmos o conceito de segunda escravidão para descrever os quadros sociais e a estrutura econômica do escravismo é forçoso reconhecer que ele não se ajusta perfeitamente à realidade brasileira antes da década de 1870. 12 A meu ver, sem necessariamente abandonar a leitura que sublinha a homologia entre as formas do cativeiro no Brasil, em Cuba e nos Estados Unidos, o conceito ganha potencial explicativo quando incorpora o significado sistêmico do escravismo oitocentista na economia-mundo capitalista, sua relação com a formação dos Estados Nacionais e seu impacto na política internacional. A formulação de Dale Tomich desenvolve o primeiro ponto, ao demonstrar que a hegemonia britânica e o padrão de acumulação ditado pelo capital industrial geraram uma divisão internacional do trabalho que transformou qualitativamente as relações entre centro e periferia na economia-mundo. Os espaços escravistas emergentes se incorporaram a um mercado mundial unificado e foram cruciais para o barateamento dos custos de produção de commodities consumidas pela indústria e pelos trabalhadores assalariados nas zonas centrais do sistema capitalista. Mais importante do que estimar a viabilidade e a lu12 Essa leitura é apropriada para identificar as novas formas assumidas pela escravidão oitocentista em espaços específicos e também permite a comparação estática entre formações sociais escravistas, de modo a delinear semelhanças e diferenças entre elas. Tal método foi utilizado, por exemplo, por Richard Graham (1981) para comparar o desenvolvimento econômico e a estrutura social do Sul dos Estados Unidos e do Brasil e o levou a atestar que a escravidão norte-americana exibia um caráter moderno e uma integração ao capitalismo industrial sem paralelo com a brasileira. Evidentemente, Graham não trabalhava com o conceito de segunda escravidão. Recentemente, historiadores que analisam a relação entre escravidão e capitalismo tendem a esposar concepção semelhante para sublinhar a excepcionalidade norte-americana. Capitalismo e escravidão são tomados como fenômenos que só interagem e ganham sentido em enquadramentos analíticos nacionais e regionais (Beckert; Rothman, 2016). Em linha oposta, a perspectiva da segunda escravidão desafia os historiadores a construírem objetos e a formularem quadros explicativos que rompam com os limites espaciais e temporais de formações sociais específicas (Kaye, 2009).

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