A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

15 Apresentação porém inseparáveis. O capitalismo é um atributo do todo econômico- -mundial e não de uma de suas partes tratada de modo isolado. Aqui reside a reformulação essencial oferecida pela perspectiva da segunda escravidão: não o capitalismo definido por uma concepção abstrata de trabalho assalariado e capital; não a escravidão definida como não capitalista pela ausência de trabalho assalariado, ou capitalista por produzir para um mercado; não a economia-mundo como um “todo” fixo que paira sobre as suas partes constitutivas. E sim o capitalismo histórico: uma concepção de capitalismo que transcende as definições abstratas para focar na interdependência concreta e histórica, na interação e na formação mútua das redes de relações histórico-geográficas diversas que constituem o capitalismo mundial. Vista por essa perspectiva, a escravidão é capitalista (ou, mais precisamente, uma forma específica de capital), e o capitalismo é um todo estruturado multiforme e diferenciado que abarca tanto a escravidão quanto o trabalho assalariado, dentre outras formas. Nesse quadro, a segunda escravidão aponta para as mudanças na relação entre a escravidão e o trabalho assalariado quando este e o capital industrial se tornaram o centro organizador dos processos de acumulação mundial do século XIX, gerando novos espaços produtivos e novos ritmos temporais. Aqui, nenhuma formação escravista específica é como qualquer outra. Semelhanças e diferenças aparecem não através de uma comparação formal entre “casos” independentes, mas como pontos de partida para uma investigação que busque diferenciar e especificar cada formação e analisar sua inter-relação e interação no interior das estruturas mais abrangentes do capitalismo histórico. Tais investigações podem examinar a relação entre a segunda escravidão e os regimes escravistas que a precederam, com as formas de trabalho no pós-abolição ou entre diferentes formações da própria segunda escravidão. Consequentemente, o conceito de segunda escravidão não descreve as histórias nacionais específicas de Brasil, Cuba e Estados Unidos como reações aos estímulos externos da revolução industrial, descolonização e consolidação de um mercado mundial no século XIX. Em vez disso, ele aponta para a criação de novos espaços econômicos e políticos por meio da expansão e intensificação do trabalho escravo como parte de uma reestruturação histórica da economia-mundo oitocentista. O foco é nos processos históricos que formam cada espaço geográfico e econômico e em como a nossa compreensão de cada espaço contribui para o nosso entendimento das relações específicas que formam a economia-mundo. O conceito de segunda escravidão é construído, desse modo, a partir de um quadro teórico distinto que abarca o capitalismo histórico e

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