A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

148 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica internacional. Naturalmente, esses artigos dominaram a pauta de exportação de seus respectivos países. O algodão representava 50% do valor total das exportações estadunidenses na década de 1850. O açúcar, nas décadas de 1850 a 1870, entre 65% e 85% dos ingressos das exportações cubanas. O café, na década de 1850, 49% do valor das brasileiras. 1 Contudo, isso não significa afirmar que a escravidão oitocentista girava unicamente em torno desses três cultivos. Entre 1790 e 1830, particularmente em Cuba e no Brasil, a escravidão se expandiu por um amplo conjunto de atividades produtivas e regiões. Nessa época a escravidão se espraiou pelo tecido social e estrutura econômica desses dois espaços e apresentou sua face mais diversificada. Um conjunto de fatores explica o quadro. A economia-mundo capitalista, entre 1750-1815, experimentou uma conjuntura inflacionária que acirrou a competição entre os impérios europeus pelo domínio do sistema interestatal. A Guerra dos Sete Anos, a Independência dos Estados Unidos, a Revolução de São Domingos e as guerras revolucionárias europeias foram marcadas por essa conjuntura e, por sua vez, produziram alterações profundas no mercado atlântico. 2 A Revolução do Haiti, em particular, retirou de cena a maior fornecedora mundial de açúcar e café, uma oportunidade que os produto1 As informações sobre as exportações cubanas e brasileiras de açúcar e café e sua participação no mercado mundial se baseiam em Marquese (2019, p. 147-148). Para a composição do valor das exportações brasileiras cf. Pinto (1977, p. 139). Uma recente reavaliação das séries de exportação do Brasil no século XIX não altera substancialmente o peso do café na década de 1850 (Absell; Tena-Junguito, 2016, apêndice 4). A participação do açúcar entre as exportações cubanas se baseia em García; Santamaría (2006, p. 90-91). Para a composição da oferta mundial de algodão e a participação norte-americana nos mercados europeus cf. Beckert (2014, caps. 5 e 9). Os dados sobre a produção de algodão nos Estados Unidos podem ser encontrados em U.S. Bureau of the Census (1975, série K554, p. 518). Para a fatia do algodão no valor total das exportações estadunidenses cf. Schoen (2009, p. 123). Se observarmos apenas os estados escravistas obviamente o peso do algodão era muito maior. Às vésperas da Guerra Civil o item representava 86% do valor das exportações sulistas, incluindo as destinadas aos estados livres (Huertas, 1979, p. 89-90). Trata-se, no entanto, de um cálculo aproximado, pois os portos sulistas reexportavam mercadorias dos estados livres do Oeste e do Norte. Para estimar as exportações de artigos produzidos nos estados escravistas, costuma-se excluir do cálculo os que provavelmente tinham origem em outros estados. A estimativa de Huertas, por exemplo, não computa a farinha de trigo. Na década de 1850, mais de 15% das exportações estadunidenses do artigo saíram dos portos de Richmond e Baltimore, cujos moinhos processavam trigo cultivado por escravos na Virginia (Rood, 2016, p. 87-88). 2 Tâmis Parron caracteriza o período como uma conjuntura inflacionária de integração complementar dos mercados imperiais. Os Estados europeus, mirando as oportunidades geradas pelo aumento de preços internacionais, aprofundaram a divisão internacional do trabalho para assegurar competitividade no sistema interestatal. As trocas eram de tipo complementar porque os regimes de monopólio e preferências favoreciam a intensificação do comércio no interior dos impérios. A produção mundial de artigos tropicais aumentou de maneira constante, lenta e diversificada. Mesmo zonas produtoras pouco competitivas cresceram, aproveitando os preços ascendentes e os mercados protegidos (Parron, 2015, p. 14-22).

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