A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

146 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica contemporâneo. A desigualdade é percebida como o principal problema do capitalismo na atualidade. A disparidade de renda e riqueza tem aumentado em todos os continentes e de forma dramática na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, áreas que constituíram o centro do capitalismo global ao longo de sua existência. A desigualdade avança à medida que o poder do capital se fortalece em detrimento dos trabalhadores e os Estados e sistemas políticos, incluindo as democracias liberais, se tornam espaços controlados por plutocratas e cada vez mais refratários às demandas populares. Esse conjunto de fatores tem provocado um vivo debate sobre a natureza e os rumos do capitalismo. Economistas, historiadores, sociólogos e cientistas políticos têm empregado com frequência termos como patrimonialista, oligárquico e rentista para caracterizar o capitalismo contemporâneo, e há aqueles que entendem que o sistema está em crise terminal. Neste século, o capitalismo está aparentemente perdendo atributos que o definiam de acordo com a acepção hegemônica do conceito, tais como a centralidade do trabalho livre assalariado e o predomínio da economia de mercado autorregulado, os quais, em chave de leitura liberal, ensejariam a maximização das liberdades humanas e a formação de sociedades democráticas fundadas nos princípios da propriedade privada e da igualdade perante a lei. Ao demonstrar que o sistema capitalista, em suas origens e no decorrer de sua existência, se apropriou, promoveu e dependeu de um conjunto diversificado de relações de produção e formas de trabalho não livre, como a escravidão negra, os historiadores podem oferecer uma contribuição decisiva para a compreensão da crise, dos conflitos e da dinâmica global do capitalismo. Os pesquisadores brasileiros, em particular, estão em uma posição privilegiada para articular a produção historiográfica nacional aos estudos sobre o capitalismo contemporâneo. O Brasil tem um passado marcado pelo escravismo e, como espaço de expansão de fronteiras da mercadoria, constituiu zona periférica crucial para a formação e a reprodução da economia-mundo capitalista. Não por acaso, a historiografia brasileira produziu uma rica e qualificada tradição de estudos sobre a escravidão que remonta à época da Abolição. Ao mesmo tempo, também integra a luminosa tradição intelectual latino-americana de interpretação e análise da desigualdade social, do subdesenvolvimento e das relações centro-periferia. O diálogo com o conceito de segunda escravidão pressupõe a combinação de fundamentos analíticos de ambas as tradições, o que possibilita oferecer um aporte original e relevante para a compreensão da dinâmica do capitalismo global.

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