Ecologia Integral: abordagens (im)pertinentes - volume 3

Danilo R. Streck, Camila Wolpato Loureiro e Carolina Schenatto da Rosa 102 Introdução A educação integral é um conceito consagrado na literatura pedagó- gica. Educar as mãos ou o corpo, o coração e as mentes faz parte da agenda da educação e dificilmente haveria educadora ou educador que não estivesse de acordo que todas essas educações são importantes. No entanto, há uma importante defasagem entre o que se apregoa como ideal e desejado e aqui- lo que acontece na prática educativa na sala de aula e outros lugares onde ocorre a educação. Esta defasagem, por um lado, se deve à própria natureza do ser humano como inacabado e com potencial de desenvolvimentos nem sempre previsí- veis. Tomemos como exemplo os depoimentos de um dos mais conhecidos teóricos da pedagogia moderna, quando faz a comparação entre os limites do corpo humano e a potencialidade de entendimento com que os seres huma- nos foram dotados pelo seu criador: “[...] à nossa mente não pode fixar-se um limite, nem no céu, nem fora do céu: tanto se eleva acima dos céus dos céus, como desce abaixo do abismo do abismo” (COMÉNIO, 1953, p. 103). É nessa condição de limites não definidos que se funda, enfim, a educabilidade. Por outro lado, o que se entende por integral deve ser visto no respec- tivo contexto sociopolítico e histórico. Cada povo, cada cultura e cada época define o que entende ser o parâmetro para julgar e praticar a integralidade. Retornamos ao já referido Comenius, para quem, no limiar do século XVII, a integralidade se referia aos três pilares da educação que julgava funda- mentais na época e no contexto de cristandade, onde o poder temporal e eclesiástico se sobrepunham. Com vistas ao fim último da salvação eterna, a educação deveria estar voltada para a instrução, para a virtude e para a piedade (COMÉNIO, 1953, p. 98), ou seja, para a dimensão cognitiva, a dimensão moral e a dimensão espiritual/religiosa. Alguns séculos depois, quando a incipiente industrialização colocava sobre os ombros da classe trabalhadora um fardo insustentável, Karl Marx aponta para outras dimensões da integralidade, agora identificada como omnilateralidade. Mário Manacorda sintetiza assim a concepção marxiana: A omnilateralidade é, portanto, a chegada histórica do homem a uma totalidade de capacidades produtivas e, ao mesmo tempo, a uma totali- dade de capacidades de consumo e prazeres, em que se deve considerar sobretudo o gozo daqueles bens espirituais, além dos materiais, e dos quais o trabalhador tem estado excluído em consequência da divisão do trabalho (MANACORDA, 1996, p. 81).

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