Sistema do direito, novas tecnologias, globalização e o constitucionalismo contemporâneo: desafios e perspectivas

85 O uso moral e paternalista do Direito Penal: desafios do punitivismo jurídico... liberdade de alguém se deve ao fato de que essa pessoa provocou danos contra os outros. A liberdade não pode sofrer restrições, exceto se provocar danos e se colocar em risco a proteção de outras pessoas. Diz Mill: Esse princípio é o de que a única finalidade para a qual a humanidade está autorizada, individual ou coletivamente, a interferir na liberdade de ação de qualquer de seus membros é a autoproteção. Que o único propósito para o qual o poder pode ser exercido com justiça sobre qualquer membro da comunidade civilizada, contra sua vontade, é o de evitar dano a outros (MILL, 2017, p. 30). Seguindo os passos do utilitarismo de regras de Mill, podemos afirmar que, em tese, a tipificação de um crime, por parte do legislador, deve levar em conta o dano provocado pela conduta que será enquadrada como crime, ou, ao menos, o seu potencial ofensivo4 de vir a provocar danos. Para existir crime, é preciso que, ao menos, haja possibilidade de dano. Refiro-me aqui aos crimes formais ou de mera conduta, como o crime de embriaguez ao volante (artigo 306 do Código de Trânsito Nacional) e os crimes de posse irregular de armas (artigo 12 da Lei 10.826/2003). Deve-se levar em conta a extensão do dano causado. De certo modo, algo semelhante pode ser dito da aplicação da pena, visto que só faz sentido ao estado valer-se do jus puniendi para limitar a liberdade daquele que produz danos com o uso de sua liberdade. Do contrário, não cabe ao direito penal dar uma resposta jurídica, mas, sim, a outros ramos do direito. Feinberg afirma que a coerção e o constrangimento da liberdade só podem ser justificados se a punição for usada para impedir que novos e maiores danos sejam produzidos. O dano a ser evitado é um dano contra terceiros, um dano aos outros. O constrangimento da liberdade só se justifica se for para evitar que uma pessoa prejudique a outras. Diz: Se a coerção social e política é um mal que causa danos, então um modo de justificá-la seria mostrar ser ela necessária para impedir males ainda maiores. Esta é a visão interior geradora do “princípio do dano a outros” (daqui por diante denomi4 A punição também serve para impedir ofensas contra terceiros. A palavra “ofensa” amplia o sentido de dano inicialmente exposto e nos mostra que o potencial de ofensividade de uma ação também poderia ser suficiente para criminalizar essa conduta.

RkJQdWJsaXNoZXIy MjEzNzYz