Sistema do direito, novas tecnologias, globalização e o constitucionalismo contemporâneo: desafios e perspectivas

179 Constitucionalismo e democracia XVIII, o condicionamento constitucional do exercício do poder visava instituições não oriundas do sufrágio universal; o seu “alvo” dizia respeito a instituições hereditárias – o Rei – ou censitárias – as assembleias parlamentares. Neste sentido, a constituição pode ser apresentada como uma “garantia para o povo”: ela protegia o povo contra a possível tirania de poderes que não se controla(va)m. Hoje, no entanto, com a extensão e a generalização do sufrágio universal, o condicionamento constitucional visa instituições oriundas do voto popular. De modo que, se a constituição ainda se define como um “ato de desconfiança”, o alvo desta desconfiança passou a se focar no sufrágio universal e nas instituições que dele provêm. Nesta esteira, a constituição é vista como uma “garantia contra o povo”: ela protege os direitos constitucionais contra a vontade do povo ou dos eleitos do povo. Destes dois deslocamentos é que decorre a crise de sentido do constitucionalismo. Enquanto a constituição havia sido concebida como mecanismo político de separação dos poderes para enquadrar e limitar o exercício de poderes desprovidos de legitimidade eleitoral, passou, hoje, a “funcionar” como mecanismo jurisdicional de proteção dos direitos fundamentais contra o exercício de poderes amparados de uma legitimidade eleitoral. Esta mudança radical de perspectiva nos leva, portanto, a retomar a questão do sentido do constitucionalismo, uma vez que a fórmula “a democracia pela constituição” não possui o mesmo significado, dependendo de os poderes enquadrados pela constituição terem ou não uma origem eleitoral. Grande é a tentação de indagar o sentido atual do constitucionalismo, cotejando a nova noção de constituição – garantia dos direitos fundamentais e controle de constitucionalidade – com a noção de democracia eleitoral, comumente apresentada, implícita ou explicitamente, como a noção legitima e natural da democracia, a de ser “o governo do povo”. Há, contudo, de se rechaçar esta tentação, já que ela pressupõe uma definição a priori da democracia, muitas vezes formulada antes do advento da justiça constitucional, que a caracteriza como um obstáculo epistemológico à inteligibilidade da modernidade constitucional e democrática. Se realmente for isso, se, para citar Michel Foucault comentando oWas ist Aufklärung? ( O que é Iluminismo? ), se trata de compreender o que está atualmente ocorrendo na democracia, convém inverter a pergunta para indagar-se sobre a no-

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