A capoeira joga com a dureza da vida

60 SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 4 gem atual, é preciso retratar a luta do passado, pois só fazemos capoeira hoje porque os outros lutaram. Mestre Pastinha e Mestre Bimba compraram muitas brigas para a capoeira estar hoje organizada do jeito que eles deixaram.12 A presença nessa festividade me trouxe a impressão de que o presenteado fui eu mesmo. Digo isso, pois, a partir desse dia, iniciei minha inserção em um universo, a meu ver, contagiante. A festa foi realizada em um quilombo urbano da Zona Norte de Porto Alegre, onde foi formada uma célula do Grupo ACCARA. Jamaica, um homem negro e líder da comunidade quilombola, me recebeu com muita cordialidade e em uma de nossas conversas me levou a um encontro, ou melhor, exemplo prático de etnicidade, afirmando que a Capoeira Angola é um dos pilares para o fortalecimento e resistência negra da comunidade quilombola que, ao mesmo tempo, se define enquanto minoria étnica. No dia 7 de julho de 2017, foi realizada no Quilombo dos Machado uma festa em comemoração à Independência do Brasil. Entre muitas atrações artísticas, não poderia faltar a roda de Capoeira Angola e o maculelê (dança negra guerreira do tempo do cativeiro), como diz Mestre Ratinho. O maculelê foi apresentado pelas crianças da comunidade, que simularam estar lutando cada uma com dois bastões de madeira, um em cada mão. As crianças estavam em cerca de dez integrantes na apresentação, e a luta era simulada ora em conjunto, ora em duplas, mas de forma bem cadenciada, o que demonstrou uma intensa preparação para a apresentação. Ao término da apresentação, as crianças e demais quilombolas presentes na festa cantaram: “Acabou o amor, isso aqui vai virar Palmares”. A cultura branca ocidental, através da globalização, impõe formas de pensamento e ação utilizando seu domínio do capital. Dessa forma, repele as diversas práticas tradicionais e desvaloriza a diferença, o que justamente fortalece as identidades tradicionais. Apesar disso, paralelamente à globalização, se formaram centros de resistência pela sobrevivência e culto aos mitos ancestrais negros, de repúdio ao pensamento hegemônico branco e à subordinação social 12 Depoimento de Mestre Ratinho. Dia´rio de campo em 06.2017

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