59 A CAPOEIRA JOGA COM A DUREZA DA VIDA o espaço onde esteja a agremiação. É um lamento, é um grito de dor, é comemoração, é alegria, é consciência. Essa experiência extra-sensorial é vivida pelo corpo negro na diáspora (SILVA, 2017, p. 113). O multiculturalismo e as identidades nacionais me provocam uma importante reflexão e dúvida perante o dito “projeto” global do ocidente e a relação dialógica vertical entre culturas que, ainda assim, em um cruzamento fértil desenvolvido pela hibridização de ideias, valores, contatos, ocasionam culturas mistas. O projeto globalizante da modernidade ocidental induz comunidades tradicionais à revisão ou adaptação de seus próprios sistemas de referência ao pensamento hegemônico. O lado “tenebroso do projeto iluminista com a ‘Regra da Razão Universal’” se consolidou através do universalismo liberal ocidental. O jogo político do poder branco foi disseminado globalmente pela tradição liberal, em que a neutralidade do Estado funciona parcialmente à sua étnico-particularidade. Desse modo, o interesse dos detentores do capital, segundo Hall, foi intervir fortemente na cultura negra, em suas tradições e formas de vida. Muitas manifestações negras cotidianas denunciam um ponto de vista crítico compartilhado. Sempre me sinto tomado de certa comoção quando presencio os depoimentos de Mestre Ratinho, do Grupo ACCARA, pela sua constante preocupação com o “resgate” da Capoeira Angola. Tomo a liberdade de associar o termo resgate referido pelo Mestre Ratinho ao conceito de sobrevivência devido à ênfase que traça às ameaças de extinção causadas pela deturpação dos fundamentos da capoeira tradicional realizada por alguns capoeiristas. No dia 21 de maio de 2017, foi realizado o aniversário de 22 anos do Grupo ACCARA, e Mestre Ratinho foi enfático em seu discurso acerca das ameaças à sobrevivência dos fundamentos da Capoeira Angola, afirmando: Não dá para engolir isso na cultura popular. Os capoeiristas devem ouvir mais as músicas antigas e entender mais a linguagem dos antigos mestres para poder fazer essa transição legal. A cultura não é estática, mas, mesmo usando uma lingua-
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