A capoeira joga com a dureza da vida

30 SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 4 exercícios de capoeiragem perpetrar homicídio, praticar alguma lesão corporal, ultrajar o pudor público e particular, perturbar a ordem, tranqüilidade ou segurança pública ou for encontrado com armas, incorrerá cumulativamente nas penas cominadas para tais crimes. Na verdade, a repressão à prática da capoeira acontecia antes mesmo dessa criminalização oficial, conforme Chiavenatto (1979), Carvalho (1987), Reis (1997), D’Ávila (1998), Carvalho Junior (2019). Segundo registro encontrado pelos pesquisadores, consta a prisão de um escravo no ano de 1789 por demonstrar em público movimentos corporais que indicavam o domínio de luta da capoeira nas ruas da cidade do Rio de Janeiro. Porém, a transgressão foi uma estratégia de resistência cultural e os capoeiristas faziam a guarda dos templos de candomblé realizando enfrentamentos quando a polícia tentava interromper os rituais. A capoeira influenciou e acompanhou o desenvolvimento de diferentes manifestações culturais no Brasil. No carnaval do Rio de Janeiro, ela é visível na ginga do mestre-sala e seus floreios nitidamente ligados à Capoeira carioca, assim como no passo do frevo nota-se a envolvente e peculiar ginga da capoeira de Pernambuco. Ao acompanharmos o desenrolar desses fatos, somos levados a crer que o divertimento popular da capoeira adquiriu esse viés criminal devido aos confrontos com a polícia, que reprimia as manifestações de matriz africana nos espaços públicos. De fato, as informações acerca da história da capoeira têm como fonte principal os arquivos da justiça e da polícia. Sem contar, é claro, com a oralidade transmitida pelo saber ancestral. A dura repressão do Estado brasileiro às práticas de matriz africana permaneceu por mais algumas décadas, mais precisamente até a década dos anos 30 do século XX. Ao mesmo tempo, já estava ocorrendo uma mobilização entre intelectuais, líderes religiosos e trabalhadores negros por maior aceitação da capoeira e do candomblé pelas elites e pelo fim da repressão policial. É notável que a marginalização dessas práticas culturais fora intencionalmente criada e disseminada para que houvesse uma fragilização dos focos de resistência negra para a implementação de uma nova ordem social. As considerações do intelectual jamaicano Stuart

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