A capoeira joga com a dureza da vida

25 A CAPOEIRA JOGA COM A DUREZA DA VIDA Em outras palavras, não comungamos com as sobreposições “multiculturalistas” em que o gosto do pensamento pelo ‘exótico’ admite harmonizações, mas sempre sob a égide da lógica hegemônica (SODRÉ, 2017, p. 22). Além do mais, passei pelo processo seletivo, prova, entrevista, dei aulas de sociologia para o ensino médio. No entanto, por algum tempo carreguei comigo o peso de que não deveria estar ali. Foi como se fosse absorvida e compartilhada a crença de que eu não tinha o perfil para pesquisador, apenas para um proveitoso objeto de pesquisa. Organizei a experiência vivida no mestrado e como capoeirista que reflete e oferece à antropologia um modo específico de relacionar-se com objetos de estudo em duas partes desse texto. Nos três primeiros capítulos estou afetado pela antropologia e suas possibilidades de escrever e descrever. Na segunda parte, ofereço um olhar específico que pretende demonstrar um estudo que antropólogos rapidamente diriam ser uma visão de dentro, mas que não se limita a exotizar o desconhecido, mas objetiva tornar algo devidamente conhecido através de seus praticantes, práticas e saberes e extrapolar os limites de uma exotização. As experiências em campo na construção desse trabalho foram enriquecedoras e surpreendentes. Senti-me confiante em cooptar todas as interlocuções almejadas e, para minha surpresa, ouvi “não” em algumas investidas. Foi preciso lidar com a frustração e entender que, sendo homem, negro e angoleiro, algumas pesquisas já ocorreram e eu não me encaixo no perfil da interlocução que almejara. Após uma “volta ao mundo”, percebi a ausência de capoeiristas mulheres em meu trabalho. Eis que entram em cena as mães do Quilombo dos Machado e me confortam o coração e a consciência, eliminando o peso e fortalecendo minha proposta em vislumbrar o poder e efeito transformador da Capoeira Angola também fora da roda. Este trabalho é o resultado de um desejo provocado a partir de reflexões e embates acerca da Capoeira Angola e seus desdobramentos na vida dos sujeitos que dela se aproximam. A análise histórica acerca da resistência quilombola e a capoeira enquanto luta de defesa do território e da dignidade negra se atualiza no feliz encontro com o Quilombo dos Machado e a figura do Jamaica, líder do qui-

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