A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

158 A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica muito diferente nos três espaços. Na maior parte dos estados sulistas, as plantationsde algodão alcançaram a autossuficiência alimentar. O pânico de 1837 induziu os plantadores a integrarem a produção de mantimentos como componente central na administração de suas propriedades. Uma porção significativa do tempo de trabalho dos escravos se destinava ao cultivo de milho e à criação de animais (Gallman, 1970; Parron, 2015, p. 370; Olmstead e Rhode, 2017). Em Cuba, a especialização açucareira foi tão aguda que gerou dependência de alimentos importados do exterior (charque, bacalhau, farinha de trigo e arroz) e podou o desenvolvimento da pecuária e da agricultura de subsistência (Funes, 2012). A vitalidade da produção mercantil de mantimentos e insumos realizada com trabalho escravo constitui uma dimensão fundamental da economia escravista no Brasil. A relação entre zonas agroexportadoras e retaguardas produtivas regionais voltadas ao abastecimento remonta ao século XVII, com a expansão combinada do açúcar e da pecuária no Nordeste. Os efeitos demográficos e econômicos do ciclo da mineração ligaram espaços produtivos diversificados por meio de circuitos mercantis. Foi, no entanto, a grande transformação ocorrida entre as últimas décadas do século XVIII e as primeiras do XIX que gerou um mercado interno relativamente integrado por meio de rotas de transporte terrestre e da navegação de cabotagem. A expansão cafeeira não parece ter rompido essa estrutura. Até o fim do tráfico transatlântico, pelo contrário, lhe deu mais força. A dinâmica mudaria depois. São necessárias novas pesquisas sobre os vínculos entre as diferentes zonas do café e os setores de abastecimento. Na década de 1850, a “carestia de gêneros” aumentou o preço dos alimentos no Brasil. Uma das explicações aventadas pelos contemporâneos foi exatamente a escassez de mão de obra, atribuída ao fim do tráfico e à concentração dos escravos nos cafezais (Costa, 2010, p. 173-180; Slenes, 2004, p. 342-343). Na medida em que a produção escravista orientada ao abastecimento foi uma marca duradoura da economia brasileira, a plantationnão dominou a paisagem social das diferentes províncias. Trata-se de um quadro bem distinto do verificado em Cuba, onde os engenhos de grande porte proliferaram. Dada a hiperespecialização da ilha no setor açucareiro, os efeitos para a estrutura de posse de escravos foram evidentes. No Sul dos Estados Unidos a concentração não era tão elevada, entre outros motivos porque as plantationsde algodão típicas mobilizavam uma força de trabalho mais modesta. Os ganhos de produtividade eram maiores nas unidades que contavam com pelo menos dezesseis escravos, mas tendiam a decrescer nas que possuíam mais de cinquenta (Fogel, 1989, p.

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