A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

151 Segunda escravidão, espaços econômicos e diversificação regional no Brasil imperial A aceleração do tráfico negreiro no período 1791-1830 forneceu trabalhadores escravizados para diversas províncias brasileiras, do Norte ao Sul. No Brasil, assim como em Cuba, a fase de montagem da Segunda Escravidão não se traduziu em especialização nos principais artigos de exportação e tampouco acentuada concentração da propriedade escrava. A escravidão alcançou uma importância econômica e uma diversificação regional e social até então inéditas. 6 A situação mudaria depois. De acordo com Tâmis Parron, na segunda metade da década de 1810, as condições que haviam criado o quadro mundial hiperinflacionário desapareceram. A Grã-Bretanha adotou o padrão-ouro e as monarquias europeias, bem como os Estados Unidos, instituíram barreiras alfandegárias para proteger sua economia doméstica (manufaturas e cereais). Ao mesmo tempo, facilitaram a importação de artigos como o algodão, o café e, em alguns casos, o açúcar, cujos preços mundiais passaram a convergir e a declinar. A economia-mundo entrou em uma fase deflacionária de alta pressão competitiva sobre os produe Ferreira. A mesma fonte serviu para Roberto Borges Martins estimar que no período 18111830 o Rio de Janeiro importou 225 mil africanos novos, Minas Gerais 224 mil, São Paulo 65 mil, Rio Grande do Sul 23 mil e demais destinos (Santa Catarina, Goiás, Mato Grosso e Espírito Santo) 17 mil (Martins, 2018, p. 551-556). Em seu cálculo, Martins projetou a distribuição dos escravos novos registrados nos despachos para a quantidade total de africanos desembarcados no Rio de Janeiro, de acordo com os dados do Trans-Atlantic Slave Trade Database . Sua estimativa deve ser lida com muita reserva, por diversos motivos. Primeiro, por assumir que os proprietários urbanos da Corte não compravam africanos recém-chegados, o que é insustentável. O principal problema, no entanto, é a baixa representatividade do registro nos despachos perante os dados sobre os africanos introduzidos via tráfico transatlântico. No intervalo 182430, o mais sólido, ela montava a 55%. Em toda a série (1809-1833), a 35% (Fragoso; Ferreira, 2001, quadro 3). Isto é, a fonte não fornece informações sobre o destino de 65% dos escravos desembarcados. O equívoco da projeção pode ser aferido por meio de um teste. Segundo Martins, no decênio 1811-1820 o Rio Grande do Sul recebeu 1.567 africanos novos remetidos do Rio de Janeiro. Contudo, documentos lacunares sobre a entrada de escravos na capitania sulina registram a entrada de 14.567 escravos africanos e crioulos no mesmo período (Aladrén, 2012, p. 53). Desses, 1.176 vieram de Salvador (Ribeiro, 2005, p. 115). Entre os 13.391 restantes, quantos eram novos? Baseado na proporção de crioulos e africanos novos e ladinos no tráfico para o Rio Grande (Aladrén, 2012, p. 107), calculo que a capitania tenha recebido 10.300 africanos novos provenientes do Rio de Janeiro no decênio 1811-1820, quantidade 6,5 vezes maior do que a computada por Martins. Presumo que distorções também seriam identificadas se o mesmo teste pudesse ser aplicado para São Paulo. De todo modo, a despeito das imprecisões da estimativa de Martins, não há dúvida de que Minas Gerais e o interior da província do Rio de Janeiro foram os principais destinos dos africanos desembarcados no Centro-Sul entre 1808 e 1830. 6 Contudo, nas zonas em que a intensificação do tráfico transatlântico se combinava com a montagem de unidades produtivas agroexportadoras houve concentração da propriedade escrava. No agro fluminense, entre 1790 e 1835, os senhores com pelo menos cinquenta escravos aumentaram sua participação no conjunto dos escravos possuídos de 33% para 46% (Florentino, 1997, p. 28-30). Em São Paulo, entre 1804 e 1829, os proprietários de mais de quarenta cativos aumentaram sua participação de 11% para 29% (Luna; Klein, 2005, p. 158).

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