A capoeira joga com a dureza da vida

80 SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 4 Em observação participante em um sábado do mês de novembro de 2018, cheguei à comunidade Quilombo dos Machado e foi complicado caminhar pelas vielas em meio às poças d’água. Ao chegar à sede da associação, estavam presentes o professor Caçapa e mais dois guris, um de 9 e outro de 12 anos. Ao me avistar, Caçapa de saudou alegremente e comentou que foi bom eu ter chegado cedo, porque haveria uma reunião da associação quilombola e a roda de capoeira encerraria mais cedo. Ainda no momento da minha chegada, Caçapa armava os berimbaus e um menino tocava pandeiro, enquanto o outro tocava atabaque, e me agradou a sincronia do samba de roda que eles tocavam. A chuva se tornou intensa e, com ar de preocupação, Caçapa relatou que a pauta da reunião é o iminente risco de desapropriação através de ação hostil da polícia. O pessoal da capoeira chegou e a capoeira começou. Passados aproximadamente 45 minutos de roda, começou uma grande movimentação devido à chegada das famílias da comunidade na sede da associação. As acomodações já não eram suficientes e algumas pessoas ficaram em pé. Durante meses acompanhando as atividades no quilombo, eu nunca havia presenciado tenta gente em um momento de roda de capoeira. Um clima de tensão pairava no ar, observei em muitos moradores um distanciamento em relação à roda. Muitos moradores estavam ali para a reunião e sequer olhavam para o jogo de capoeira. Identifiquei olhares que se perdiam no horizonte. Finalmente, o berimbau encerrou a roda. Foi quando o líder do quilombo, com berimbau em punho, agradeceu a presença de todos e todas e exaltou a capoeira enquanto símbolo e instrumento de resistência do Quilombo dos Machado. Como refere Ramos (2015): Estes coletivos resistem aos processos de invisibilidade, estigmatização e perda de seus territórios frente aos modelos de desenvolvimento e modernização (sobretudo de commodities), pois possuem modos de existência diferenciados. Os quilombolas, como os afrorreligiosos), em suas práticas cotidianas e rituais, estão constantemente em relações que envolvem os elementos da natureza e da cultura (RAMOS, 2015, p. 43).

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