A capoeira joga com a dureza da vida

48 SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 4 classificar esse fato social como a gênese da estratificação social e do ódio racial no Brasil. De que modo haverá um sentimento de harmonia recíproca no âmbito social? A colonização foi além da invasão territorial e exploração de mão de obra escrava. Foi o rompimento de uma cultura com os seus símbolos sagrados. A proibição da prática das religiões de matriz africana no Brasil do final do século XIX representa uma violência imaterial. O antropólogo Adan Kuper (2002), ao abordar a obra de Clifford Geertz, analisa de forma enfática a importância da valorização cultural e religiosa de um povo: [...] os veículos e os objetos de culto são rodeados por uma aura de profunda seriedade moral. Para aqueles comprometidos com ele, tal sistema religioso parece mediar um conhecimento genuíno, o conhecimento das condições essenciais nos termos das quais a vida tem que ser necessariamente vivida (KUPER, 2002, p. 96). Em consequência da colonização cultural, as emoções são incorporadas e herdadas de acordo com a história de vida dos atores sociais e seus ancestrais. Por isso, é fundamental entender a situação social da população negra durante a formação histórica e cultural da nação brasileira, em relação às condições de urbanização, escolarização, enfim, de desenvolvimento econômico. Frantz Fanon (1983), em Pele Negra, Máscaras Brancas, dá pistas do sentimento resultante de um genocídio cultural com intensa exploração humana sofrido pelos povos originários do continente africano: “[...] De um dia para o outro, os pretos tiveram de se situar diante de dois sistemas de referência. Sua metafísica, ou menos pretensiosamente, seus costumes e instâncias de referência foram abolidos porque estavam em contradição com a civilização que não conheciam e que lhes foi imposta” (FANON, 1983, p. 104). A partir daí, é perceptível uma vulnerabilidade social e emocional devido à desvalorização da identidade negra e seus símbolos. Portanto estava em curso uma violência institucional simbólica em massa direcionada aos negros e herdada por seus descendentes. Pois, a história social carrega consigo os referenciais de pertencimento, de cultura, enfim, valores necessários à constituição da categoria de pessoa.

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